Uma abordagem para um Brasil mais
seguro
Cláudio Carraly*
Nos últimos 30 anos, a segurança pública tem sido uma das principais preocupações dos brasileiros, o aumento da criminalidade, a sensação de insegurança e a violência nas ruas afetam profundamente a qualidade de vida de milhões de pessoas. Para compreender a complexidade desse problema, é essencial adotar uma abordagem multidisciplinar, que vá além da perspectiva policial e integre análises sociológicas, econômicas e culturais, bem longe das retóricas politiqueiras e das soluções simplistas.
A evolução da criminalidade no
Brasil nas últimas décadas está intrinsecamente ligada à expansão das facções
criminosas e às crescentes desigualdades sociais, ancoradas pelo enorme abismo
de renda entre os mais ricos e os mais pobres no Brasil. Dados do Fórum
Brasileiro de Segurança Pública revelam que o país apresenta uma taxa de
homicídios de cerca de 27 por cada 100 mil habitantes, uma das mais elevadas do
mundo. Além disso, estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)
demonstram a forte correlação entre falta de renda, altos índices de
desemprego, baixa escolaridade e a perpetuação da violência.
Fatores estruturais como a
desigualdade social, a exclusão econômica e a educação precária são
determinantes na dinâmica do ciclo da criminalidade. A falta de oportunidades
formais e a vulnerabilidade dos jovens em contextos de informalidade favorecem
o aliciamento por organizações criminosas, nesse sentido, políticas públicas
integradas, envolvendo habitação, saúde e assistência social, são imprescindíveis
para romper o ciclo de exclusão e violência.
Esses fatores da diminuição de
violência não são nada desconhecidos, porém lamentavelmente a incompetência dos
governos estaduais, cuja responsabilidade formal da segurança pública foi
determinada na constituição de 1988, isso agravado pelo desinteresse dos
municípios e das sucessivas administrações federais, ressaltando que os demais
entes políticos da República não querem trazer esse “problema para o seu colo”.
Casos internacionais demonstram
que políticas integradas podem transformar realidades marcadas pelo crime.
Medellín, na Colômbia, por exemplo, investiu em infraestrutura urbana, educação
e programas culturais, conseguindo reduzir os índices de homicídios em mais de
80% ao longo de duas décadas, Em Los Angeles, a presença efetiva de um
policiamento comunitário, bem como o uso inteligente dos dados coletados,
melhoraram substancialmente os níveis de sensação de segurança no estado. Tais
exemplos oferecem lições valiosas, mas devem ser adaptados à realidade
brasileira, considerando as especificidades regionais e a diversidade cultural
do país.
Para que
iniciativas como o policiamento comunitário e os programas de prevenção à
violência em escolas se tornem sustentáveis, é necessário definir etapas claras
de implementação, como monitoramento contínuo da segurança, com indicadores
reais que permitam avaliar a eficácia das políticas adotadas. Ainda a criação
de fundos específicos para projetos de prevenção, garantindo recursos
constantes em uma ação de Estado que não possa sofrer solução de continuidade
pela administração seguinte, além do envolvimento de lideranças populares, ONGs
e universidades na concepção, execução e monitoramento das políticas,
garantindo maior aderência e adaptação às necessidades locais.
A corrupção e a impunidade
corroem a eficácia das políticas de segurança. Para reverter esse cenário, a
criação ou fortalecimento de entidades existentes que fiscalizem a gestão dos
recursos públicos destinados à segurança, além da implementação de tecnologias
que garantam a transparência dos processos e agilizem a aplicação da lei,
reduzindo assim a sensação de impunidade. Estabelecendo mecanismos rigorosos de
responsabilização e prestação de contas, onde agentes públicos e privados
respondam civil e criminalmente por desvios e má gestão dos recursos.
A tecnologia desempenha um papel
crucial na modernização da segurança pública, as novas tecnologias utilizadas
de forma eficiente e respeitando os direitos individuais e a privacidade dos
cidadãos são e serão cada vez mais fundamentais. A aplicação de algoritmos para
identificar padrões de criminalidade, garantindo assim a atuação preventiva
fundamental, assim como o uso ético de câmeras e sistemas inteligentes para
mapear áreas de risco, utilizando a identificação facial de condenados pela
justiça, além de otimizar o patrulhamento, remanejando-o para áreas de perigo
iminente.
A segurança pública é uma
responsabilidade coletiva. É necessário garantir a participação ativa da
população, a criação de espaços de diálogo entre governo, forças de segurança e
comunidade, onde as demandas e sugestões sejam discutidas e implementadas. O
incentivo à educação cidadã sobre os direitos e deveres na defesa da paz e da
não violência, promovendo a colaboração entre todos os segmentos da sociedade,
garantindo ainda mecanismos que permitam à população opinar sobre as políticas
de segurança e sugerir melhorias de forma estruturada.
O Brasil
precisa repensar sua política de segurança pública de maneira abrangente e
integrada. É fundamental que os governos e a sociedade atuem de forma conjunta
para promover reformas estruturais, combater a corrupção e implementar soluções
inovadoras, como a desmilitarização das polícias estaduais e consequente
unificação à polícia civil, para que o sistema de segurança tenha apenas um
corpo e comando diretivo único. Cada cidadão tem um papel essencial nessa
transformação, seja participando de conselhos comunitários, pressionando por
maior transparência ou engajando-se em iniciativas locais de prevenção à
violência. Somente com um esforço coletivo e coordenado poderemos construir um
país mais seguro, justo e solidário.
*Cláudio Carraly - Advogado, ex-secretário executivo de Direitos Humanos de Pernambuco.
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