04 fevereiro 2025

Enio Lins opina

Congresso Nacional sob nova velha direção, com mais dos mesmos desafios
Enio Lins  


HUGO MOTTA E DAVI ALCOLUMBRE foram eleitos, respectivamente, presidentes da Câmara e do Senado. Representam a mesma tendência já manifestada há muitas eleições, quando um semiparlamentarismo (ou semipresidencialismo) monetiza, além da conta, a relação política entre os poderes Executivo e Legislativo.

ESTE PROCESSO COINCIDE com a ascensão irresistível do chamado “baixo clero” ao comando do Legislativo, cuja ponta do iceberg aflorou em 2005, com a eleição de Severino Cavalcanti (1930/2020), do PP, para a presidência da Câmara Federal. Estigmatizado como folclórico, o deputado do agreste pernambucano foi torpedeado em seu primeiro ano no posto, acusado da prática de “mensalinho” (rudimentar cobrança de propinas, envolvendo, inclusive, uma suposta mensalidade de R$ 10 mil ao restaurante da Câmara). O dito “alto clero” retoma o poder com dois alagoanos muito respeitados como expoentes da elite intelectual do parlamento, José Thomaz Nonô (interino) e Aldo Rebelo (eleito em seguida). Os termos “alto e baixo clero” sempre tiveram um tom preconceituoso, referindo-se às características de formulação política reconhecidas num parlamentar. Como ninguém, fora de seus estados de origem, havia ouvido falar de Motta e Alcolumbre, quando de suas primeiras eleições para as presidências das duas casas, ambos confirmam a supremacia desse estamento antes marginalizado pela crônica dos poderes.

LULA, COMO QUALQUER presidente sob um Congresso encabeçado pelo baixo clero, seguirá enfrentando a insaciabilidade aberta das duas casas. Poderá ter alguma vantagem – pouca – do descaramento desses procedimentos, pois a exposição dos objetivos próprios ao dito fisiologismo parlamentar, vez por outra, funciona como freio. O processo é simples e cruento, mais ou menos como num pesque-pague sem limites: para colocar na sacola uma piaba, paga-se um tubarão. Essa dificuldade é ampliada pelo fato dos partidos de sustentação política para Lula da Silva terem conquistado menos cadeiras no Congresso que o necessário para garantir algum conforto para o governo federal, e dentre as vagas obtidas para matizes ideológicos mais aproximados ao presidente da República, os destaques deixam a desejar na peleja com uma extrema-direita tão espalhafatosa quanto competente nas redes sociais e no plenário. Como se isso não bastasse, os órgãos governamentais encarregados da intermediação com o Poder Legislativo parecem escorregar na maionese desde o início da gestão. Nesse cenário para o derradeiro biênio de seu mandato, o filho de Dona Lindu vai ter de se esfalfar ainda mais num chão de fábrica inóspito, e ter muito mais cuidado para não perder mais dedos.

COM ZERO SURPRESA, as eleições de Motta e Alcolumbre confirmam também o aguçamento de uma pauta perigosa para a Democracia, para além do apetite nas milionárias emendas (pretendidas secretas). No horizonte assombram as sombras da busca pela impunidade ampla, geral e irrestrita para delitos cometidos por políticos. Ao fundo, podem-se ouvir acordes (desafinados) de uma trilha sonora com a Cavalgada das Valquírias mais ou menos como usada por Francis Ford Coppola no filme Apocalypse Now, quando uma esquadrilha de helicópteros americanos decola para massacrar uma aldeia vietnamita. O sonho dessa turma é despejar napalm sobre os tribunais, especialmente o STF, que ousem cobrar Justiça. Mas, em verdade, nada disso é novidade, embora no quadro atual se destaquem mais as cores tenebrosas. Desafios piores já foram enfrentados e vencidos. E Motta, Alcolumbre e Lula são profissionais que entendem a política como uma via cheia de curvas, onde o radicalismo quase sempre é sinônimo de derrapagem – para quaisquer clérigos, sejam dos altos ou dos baixos círculos.

Leia: Lula na frente, mas ainda é cedo https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/02/minha-opiniao_4.html  

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