Mercado
da Encruzilhada, lá estive aos sábadosAbraham
B Sicsu
Manhã chuvosa.
Parecia a época da Pandemia. Solitário em minha cadeira reclinável pensava em
tempos idos. “Recordar é viver, eu ontem sonhei com você”, tempos felizes
vividos, espaços jamais esquecidos, nosso Mercado de farras.
Sábado sempre foi dia
de mercado público. Desde o início dos anos oitenta não deixo de ir. Evitava
viagens, outros compromissos, era meu espaço de prazer, de animação. Aonde me
sentia acolhido, aonde fiz grandes amigos.
1980, mudei para
Ponto de Parada, bem pertinho da Encruzilhada e do estádio do Arruda. Lá morei
onze anos, lá me estruturei, lá mantive amigos, lá tive meus filhos.
Na Almirante Noronha
de Carvalho, com o vizinho Moacir, tomávamos todas, “decidíamos” o futuro do
pais, divergíamos , mas éramos inseparáveis. “Rua do Governador”, como era
conhecida, onde as crianças brincavam, com vacaria na Gerson de Barros Piangé,
verdade, com leite batizado com água, com hortas que nos forneciam verduras.
Mercado da
Encruzilhada. Cinco ou seis bares, conhecia todos, no seu interior. Elegi um
como meu ponto de cachaça. Bar Academia do grande Eduardo, o da ponta, junto à
sapataria.
Eduardo, um português
que aqui chegou. De forte complexão física, poderia ter sido um lutador peso
pesado, mas de uma doçura incomensurável. Ficamos grandes amigos.
No Academia,
freqüentadores permanentes. Grupos que eram assíduos, que não sobreviveriam sem
uma boa dose e um bom tira-gosto. Dois grupos me impressionavam.
A Turma das Seis,
tinha até camiseta personalizada, de madrugada chegavam um pouco antes do
horário, após noitadas de farras. Para o café da manhã. Como eu ia comprar
peixe ou galinha, bem cedinho, sempre os encontrava.
Café nada leve, cará
com carne guisada, inhame com galinha ao molho, macaxeira com um porquinho bem
gorduroso. Não podiam parar, cerveja e cachaça para acompanhar. A boca
entortava, difícil entender os pedidos que faziam, mas, fieis, não faltavam.
Saiam lá pelas oito, prontos para apagar e se entregar aos braços de Morfeu,
deus dos sonhos.
Outro, o dos
velhinhos das onze horas. Tinham mesa reservada. Só sentava quem tivesse mais
de setenta, preferencialmente oitenta. Na época os achava muito velhos. Nas
mesas ao lado podíamos escutar as conversas. Cerca de dez senhores que toda
semana lá se encontravam.
Conversas com muitas
mentiras. A memória falha e os fatos são bem distorcidos.
Ver o Zeppelin chegar
ao centro do Recife era recorrente. Afirmavam com convicção, perto da Conde da
Boa Vista??
Afirmar que houve uma
batalha entre os Generais Marshall, americano, e Von Rommell, alemão, que foi
vencida pelo americano, outra conversa que vaticinavam como verdade histórica??
As histórias se
repetiam e as horas passavam. Perto da uma hora da tarde, chegavam os filhos
para levá-los para casa, bêbados, é claro. O difícil era tirar um que andava em
cadeira de rodas e sempre queria uma saideira após a outra.
Lembro de uma ida a
Portugal. Eduardo insistiu que fossemos, eu e o amigo Poli, à sua Vila, perto
de Coimbra. Fomos recebidos como reis, com direito a “chanfana de coelho” e
muito vinho. Outra hora conto essa efeméride.
Para Eduardo, os
amigos portugueses mandaram muito bacalhau, três quilos, e umas dez garrafas de
vinho, produção em quintais dos conterrâneos de Castel Viegas. O Bacalhau
chegou, o vinho foi consumido no caminho. Sobraram duas garrafas. Também, foram
enviadas duas ou três garrafas de azeite
que afirmavam ser o melhor do mundo.
Chegando ao Recife,
entregamos a encomenda. Eduardo, feliz, nos convida para um “banquete”, no
Mercado. Perplexos aceitamos, mas não entendemos ao certo do que se tratava.
Uma sexta feira à
noite, mercado fechado, entramos por uma porta lateral, escondidos, dois
casais, Moacir, eu e nossas companheiras. Num dia de lua cheia, no centro,
entre os bares e as lojas de aviamento que lá existem, uma mesa bem posta com
toalha chique, talheres e pratos, além das taças para o elixir de Baco.
O prato principal, um
bacalhau ao forno, aquele que trouxemos, com batatas, tomates e azeitonas, em
postas bem altas, regado com muito azeite português, também trazido por nós.
Noite inesquecível.
A saída, pela direita
com a grade semi levantada, como se fossemos clandestinos, enriqueceu mais a
aventura. Uma aventura gastronômica por demais prazerosa.
Faz muito tempo que
não encontro Eduardo. Vendeu o bar faz alguns anos. Soube que foi gerente de
suprimentos do Hospital Português. Outro dia, perguntando ao dono do
Bragantino, outro estabelecimento do mercado, me informou que ele está bem,
continua casado com uma procuradora, hoje aposentada, mas não aparece mais no
Mercado.
Sinto saudades
daqueles tempos. Não existia isolamento, o conviver fraterno era motivação de
vida feliz.
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