Princípios 171: China e nova economia do projetamento
Publicada pela Editora Anita Garibaldi, a revista Princípios (Qualis A3) é o periódico científico marxista mais antigo do Brasil. (ISSN:1415-7888; E-ISSN: 2675-6609)
Acaba de ser lançada a nova edição da revista Princípios n. 171. Este novo número traz o dossiê “China e nova economia de projetamento”, organizado pelo professor Elias Jabbour. O sucesso deste Dossiê foi tão grande que a Comissão Editorial da revista optou pelo lançamento de duas edições consecutivas dedicadas ao tema. Assim, a próxima edição 172 também tratará dessa temática.
Confira abaixo o editorial do número 171 da revista Princípios.
Ignácio Rangel e sua “economia do projetamento” renascem na China
A renovação do marxismo e o exame dos caminhos da construção socialista sempre estiveram entre os objetivos que norteiam o trabalho editorial de Princípios. Esses mesmos objetivos motivaram o lançamento da chamada de artigos dedicada à nova economia do projetamento. Esse conceito, sobre o qual tem se debruçado uma equipe de pesquisadores liderada pelo professor Elias Jabbour, tem se mostrado profícuo o bastante para lançar nova luz não apenas sobre o fenômeno chinês — uma das grandes esfinges de nossa época — mas sobre a questão mais ampla da alternativa socialista na atualidade.
Não à toa, a referida chamada de artigos foi uma das mais concorridas da história recente da revista. Isso levou a Comissão Editorial a optar pelo lançamento de duas edições consecutivas dedicadas ao tema. A primeira delas, que o leitor tem em mãos, dedica-se à leitura da China como exemplo de nova economia do projetamento. A edição reúne estudos mais empíricos, que se debruçam sobre aspectos específicos da vida chinesa, buscando mostrar como a grande nação asiática renova modelos de planejamento, processo que aponta para um novo patamar da construção socialista. O próximo número da revista, por seu turno, trará artigos mais teóricos, com reflexões sobre o significado da nova economia do projetamento para o socialismo do século XXI.
Encontra-se na ordem do dia das ciências humanas e sociais a criação de uma teoria para compreender a China. Por que a análise da realidade chinesa demanda uma teoria? Trata-se de uma realidade particular, paralela às demais? A verdade é que o país tem inaugurado, ao longo das últimas décadas e de forma mais rápida no pós-crise financeira de 2007-2008, formas superiores de planificação econômica e intervenção rápida sobre o território, o que implica um maior domínio humano sobre a realidade — seja a natural, seja a sociocultural. Ora, se as teorias refletem níveis determinados de interação entre os seres humanos e o meio ambiente — podendo, mesmo, abrir caminho a novos modos históricos de produção —, é necessário admitir que o ferramental teórico disponível nã ;o é mais capaz de entregar uma visão de totalidade sobre o que acontece naquela região do mundo.
Clique aqui para conferir os números antigos da Princípios (1 a 100) https://cdm.grabois.org.br/periodicos/?view_mode=table&perpage=12&order=ASC&orderby=date&fetch_only_meta=23940%2C23783%2C23779&search=princ%C3%ADpios&taxquery%5B0%5D%5Btaxonomy%5 D=tnc_tax_23942&taxquery%5B0%5D%5Bterms%5D%5B0%5D=27&taxquery%5B0%5D%5Bcompare%5D=IN&paged=1&fetch_only=thumbnail
O nível de coordenação tanto do planejamento quanto do investimento alcançado pelos chineses entrega fatos e tendências que ainda nos escapam. Podemos elencar, a título de exemplo, o fato de nos últimos dez anos cerca de 200 milhões de chineses terem migrado do campo para a cidade sem a ocorrência das contradições e flagelos que são típicos desse processo na periferia do capitalismo. Podemos mencionar, ainda, a construção de 45 mil quilômetros de trens de alta velocidade em um espaço de 25 anos; a expansão metroviária para cidades “China adentro”; a modernização e elevação rápida da composição orgânica do capital na agricultura; o salto — quase único na história — para a formação de uma potência em matéria de energia renovável. A China vivencia, ainda, uma grande revolução em matéria de desenvolvimento urbano e regional, com iniciativas como o “Grande desenvolvimento do Oeste” e a erradicação da pobreza extrema. Sem falar da Iniciativa Cinturão e Rota (Belt and Road Initiative), carro-chefe de um extraordinário trabalho de integração que aponta mesmo para um modelo alternativo de globalização — a serviço dos povos, e não do capital.
A China de hoje está a operar um processo de transformação disruptivo cujas bases são tanto um poder político de novo tipo quanto o controle do Partido Comunista sobre a grande propriedade pública e a grande finança. Percebe-se que os desafios impostos pelas “contradições de múltipla ordem”, fruto desse processo tão rápido quanto único, abrem condições para mais experimentos sociais, como também para a transformação de quantidade em qualidade em todos os campos da ciência social aplicada. A explosão de novos experimentos e novas aplicações tem gerado, de forma quase sequencial, picos de “momentos Sputnik”. É nesse contexto que pipocam noções como a de “milagre chinês”, reveladoras de certa impotência analítica. Afinal, quando algo passa a ser chamado de &l dquo;milagre” é porque as teorias à disposição já deixaram de dar conta da realidade. Essa situação impõe um retorno aos fundamentos. Como parte desse esforço, é de fundamental importância revisitar os clássicos do desenvolvimento. Um dos mais vigorosos entre eles, o economista maranhense Ignácio Rangel, inspira os trabalhos veiculados nesta edição de Princípios. Seu opúsculo Elementos de economia do projetamento, de 1959, tem ajudado sobremaneira a fornecer novas explicações para as ocorrências que emanam da China. O projetamento, segundo Rangel, é a ciência da busca de uma razão superior na relação custo-benefício. Se por um lado essa economia do projetamento morre junto com as primeiras experiências socialistas e o renascimento do keynesianismo militarizado nos EUA, por outro lado ela ressurg e agora, na China, como “nova economia do projetamento”.
Este dossiê de Princípios busca mostrar como a teoria rangeliana pode ser aplicada ao caso chinês. Não é despropositado afirmar, nesse sentido, que renasce no Brasil uma teoria capaz de nos entregar uma visão científica acerca dos novos desdobramentos da construção do socialismo, que têm hoje na China a nação protagonista desse processo.
Princípios traz ainda, nesta edição de número 171, textos voltados a outras temáticas, tecidos a partir de abordagens diversas. Um artigo complementa as contribuições do dossiê ao traçar, embora sem recurso à noção de “nova economia do projetamento”, um panorama da política industrial e, em particular, do papel jogado pelas empresas estatais chinesas no processo de catching-up que vem aproximando o país da fronteira tecnológica em áreas diversas. Em tempos de debate sobre as dificuldades de comunicação da esquerda, uma engenhosa contribuição apoia-se nas teses de autores como Pierre Bourdieu e Jesus Martin-Barbero para analisar aspectos do discurso utilizado, nas eleições de 2022, pelo então candidato Luiz Inácio Lula da Silva. São apresentadas as razões do êxito de certas estrat&eacut e;gias discursivas, assim como suas potencialidades e limites. Compõe ainda esta edição um artigo que, à luz do lançamento da Política Nacional de Cuidados Paliativos (PNCP), reflete sobre o sentido humanista dessa política, propondo que se considere o sofrimento não apenas em sua dimensão fisiológica e individual, mas também como fenômeno social. Tal atitude implica o estreitamento das relações entre o serviço social e a área da saúde.
O tema da realidade chinesa retorna à revista em suas últimas páginas, que trazem uma fértil resenha sobre os livros Adam Smith em Pequim: origens e fundamentos do século XXI, de Giovanni Arrighi, e Como a China escapou da terapia de choque, de Isabela Weber, obras que ajudam na compreensão dos inovadores processos econômicos e sociais que se verificam na China contemporânea.
Desejamos uma boa leitura!
A Comissão Editorial
Simpósio da Grabois debate desenvolvimento e desafios do Brasil no cenário global https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/04/fundacao-grabois-debate.html
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