05 maio 2025

Uma crônica de Cícero Belmar

A panela vai ferver
Cícero Belmar* 

Segundou. Com C de conclave. Se não tivermos um assunto que surja de última hora, para movimentar a agenda desta semana, o assunto dos próximos dias será o conclave que vai eleger o sucessor de Francisco. Duvido que possa existir alguém que, tendo visto o filme com o mesmo nome da reunião dos cardeais, possa acreditar que o escolhido é um homem ungido por Deus para ser o seu embaixador aqui na Terra.

Antes de seguir a conversa, quero deixar claro que considerava e considero Francisco um homem de Deus, um papa diferenciado e muito querido. Até aqui a maior personalidade deste século. Era tão humano que tinha o espírito de santo. A ele, todo crédito e respeito. Mas, o que eu estou falando é do conclave, que começará depois de amanhã. Não duvido nada que, assim como no filme, a reunião ocorra cheia de articulações, conspirações, interesses escusos, jogos de poder, intrigas de bastidores e conchavos.

Afinal de contas, é uma eleição. Ainda que seja para escolha do sucessor do “trono de Pedro”, conforme diz o Vaticano, será um acontecimento que tem zero de espiritual e tudo de humano e de interesse material. Queiram me desculpar, mas se o filme dirigido pelo alemão Edward Berger refletir o que ocorre por trás dos muros da Capela Sistina, o conclave tem pouco de inspiração divina.

Na condição de evento político, a reunião do colégio dos cardeais vai eleger um chefe de estado, o papa. O futuro ocupante do cargo é quem vai definir uma política e dar primazia a uma corrente de pensamento dentro da igreja. Como em toda eleição, o filme mostrou que num conclave há disputa de grupos divergentes. Pelo menos no filme, que para mim serve de referência, haverá lavagem de roupa suja, revelações de escândalos que não podem vazar, brigas de alas religiosas, troca de farpas, manifestações de ultraconservadores e de progressistas etc.

Fica difícil assegurar que muitas coisas como essas possam ocorrer por lá, pois o conclave é secreto, a portas fechadas. Mas, o filme, que não é um documentário, foi feito com base no livro – uma ficção que também se chama Conclave - do inglês Robert Harris. Para escrever, ele fez uma pesquisa sobre como ocorria a eleição de um papa. Entrevistou participantes das votações anteriores. A história que escreveu, com pinceladas reais, é a que foi levada para a telona.

Tanto o livro quanto o filme causaram um constrangimento danado, pois os cardeais fazem voto de silêncio sobre o que ocorre lá dentro. Quem viu o que ocorreu durante o isolamento, faz que não viu. Quem ouviu, faz cara de paisagem. Só o papa eleito é quem pode falar qualquer coisa que tenha ocorrido nos dias que duram o conclave. Tem sido assim por séculos e séculos sem fim amém. Mas, como é que aquelas intrigas das alas religiosas vazaram?

O que a igreja quer passar é que, durante o conclave uma força de luz, de paz e inspiração divina, recai sobre o Vaticano. O mistério e o silêncio ajudam a formatar essa ideia junto aos fiéis. Mas, o filme, que transcorre num espaço de três dias, vai causando um suspense inquietante. Ao final de cada dia, acreditava-se que um determinado cardeal seria eleito no dia seguinte. Mas possíveis escândalos causavam reviravolta na trama.

O filme gerou muita controvérsia aqui no mundo real porque expôs o egoísmo e a corrupção por parte de homens a quem se espera tão-somente manifestações de verdade e justiça. Uma imagem nada celestial, com raposas velhas, é apresentada ao expectador.

No final do filme de Edward Berger, o nome escolhido para Sumo Pontífice não tinha nada a ver com aqueles que estavam sendo especulados desde o início da trama. Aqui vai uma coincidência, apenas: o nosso eterno e querido papa Francisco também não fazia parte das bolsas de apostas, no conclave em que foi eleito. O seu nome alternativo foi uma surpresa.

Sei que a vida real, cotidiana e diária pode ser bem diferente do que a arte é capaz de produzir. Mas, também acho que muitas coisas são ditas através das obras de arte como metáfora da realidade.

A arte também influencia a realidade. Em geral, as histórias que saem da cabeça de escritores e dos diretores de cinema, da criatividade artística, quando em nada, servem para refletir sobre a realidade.

A gente sai da sala do cinema com uma certeza: aquela fumaça branca que é lançada pela chaminé quando o novo papa é escolhido, não quer dizer somente “habemos papa”. Ela significa também que a panela que estava no fogo do processo político-eleitoral, chegou ao seu grau máximo de calor e pressão.

- Cícero Belmar é escritor, jornalista e membro da Academia Pernambucana de Letras.

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"Imperfeitiços", poema de Paulo Leminski https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/04/palavra-de-poeta_27.html 

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