A panela vai ferver
Cícero Belmar*
Segundou. Com C de conclave. Se não tivermos um assunto que surja de última hora, para movimentar a agenda desta semana, o assunto dos próximos dias será o conclave que vai eleger o sucessor de Francisco. Duvido que possa existir alguém que, tendo visto o filme com o mesmo nome da reunião dos cardeais, possa acreditar que o escolhido é um homem ungido por Deus para ser o seu embaixador aqui na Terra.
Antes de seguir a conversa, quero deixar claro que considerava
e considero Francisco um homem de Deus, um papa diferenciado e muito querido. Até
aqui a maior personalidade deste século. Era tão humano que tinha o espírito de
santo. A ele, todo crédito e respeito. Mas, o que eu estou falando é do
conclave, que começará depois de amanhã. Não duvido nada que, assim como no
filme, a reunião ocorra cheia de articulações, conspirações, interesses
escusos, jogos de poder, intrigas de bastidores e conchavos.
Afinal de contas, é uma eleição. Ainda que seja para escolha
do sucessor do “trono de Pedro”, conforme diz o Vaticano, será um acontecimento
que tem zero de espiritual e tudo de humano e de interesse material. Queiram me
desculpar, mas se o filme dirigido pelo alemão Edward Berger refletir o que
ocorre por trás dos muros da Capela Sistina, o conclave tem pouco de inspiração
divina.
Na condição de evento político, a reunião do colégio dos
cardeais vai eleger um chefe de estado, o papa. O futuro ocupante do cargo é quem
vai definir uma política e dar primazia a uma corrente de pensamento dentro da
igreja. Como em toda eleição, o filme mostrou que num conclave há disputa de
grupos divergentes. Pelo menos no filme, que para mim serve de referência,
haverá lavagem de roupa suja, revelações de escândalos que não podem vazar, brigas
de alas religiosas, troca de farpas, manifestações de ultraconservadores e de
progressistas etc.
Fica difícil assegurar que muitas coisas como essas possam
ocorrer por lá, pois o conclave é secreto, a portas fechadas. Mas, o filme, que
não é um documentário, foi feito com base no livro – uma ficção que também se
chama Conclave - do inglês Robert Harris. Para escrever, ele fez uma pesquisa
sobre como ocorria a eleição de um papa. Entrevistou participantes das votações
anteriores. A história que escreveu, com pinceladas reais, é a que foi levada
para a telona.
Tanto o livro quanto o filme causaram um constrangimento
danado, pois os cardeais fazem voto de silêncio sobre o que ocorre lá dentro.
Quem viu o que ocorreu durante o isolamento, faz que não viu. Quem ouviu, faz cara
de paisagem. Só o papa eleito é quem pode falar qualquer coisa que tenha
ocorrido nos dias que duram o conclave. Tem sido assim por séculos e séculos
sem fim amém. Mas, como é que aquelas intrigas das alas religiosas vazaram?
O que a igreja quer passar é que, durante o conclave uma
força de luz, de paz e inspiração divina, recai sobre o Vaticano. O mistério e
o silêncio ajudam a formatar essa ideia junto aos fiéis. Mas, o filme, que
transcorre num espaço de três dias, vai causando um suspense inquietante. Ao
final de cada dia, acreditava-se que um determinado cardeal seria eleito no dia
seguinte. Mas possíveis escândalos causavam reviravolta na trama.
O filme gerou muita controvérsia aqui no mundo real porque expôs o egoísmo e a corrupção por parte de homens a quem se espera tão-somente manifestações de verdade e justiça. Uma imagem nada celestial, com raposas velhas, é apresentada ao expectador.
No final do filme de Edward Berger, o nome escolhido para Sumo Pontífice não tinha nada a ver com aqueles que estavam sendo especulados desde o início da trama. Aqui vai uma coincidência, apenas: o nosso eterno e querido papa Francisco também não fazia parte das bolsas de apostas, no conclave em que foi eleito. O seu nome alternativo foi uma surpresa.
Sei que a vida real, cotidiana e diária pode ser bem
diferente do que a arte é capaz de produzir. Mas, também acho que muitas coisas
são ditas através das obras de arte como metáfora da realidade.
A arte também influencia a realidade. Em geral, as histórias
que saem da cabeça de escritores e dos diretores de cinema, da criatividade
artística, quando em nada, servem para refletir sobre a realidade.
A gente sai da sala do cinema com uma certeza: aquela fumaça
branca que é lançada pela chaminé quando o novo papa é escolhido, não quer
dizer somente “habemos papa”. Ela significa também que a panela que estava no
fogo do processo político-eleitoral, chegou ao seu grau máximo de calor e
pressão.
- Cícero Belmar é escritor, jornalista e membro da Academia
Pernambucana de Letras.
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"Imperfeitiços", poema de Paulo Leminski https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/04/palavra-de-poeta_27.html

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