O mito do banquinho
A bossa nova se eternizou pelo
banquinho e violão, mas seus músicos detestavam sentar-se nele
Ruy Castro/Folha de
S. Paulo
Miele e os
outros logo viram que o banquinho era a falsa boa ideia. Muito alto, difícil de
subir, instável, podia-se cair lá de cima. Mas aí era tarde. Ele já tinha sido
institucionalizado —até hoje.
A prova de que
o banquinho nunca agradou é que você encontrará poucos registros, se é que
algum, de João Gilberto sentado num deles. Preferia uma cadeira, na qual podia
sentar-se com os pés no chão e abanar as pernas ao ritmo do violão. E Tom Jobim
nunca foi flagrado se equilibrando, mesmo porque seu instrumento era o piano,
de banquinho muito mais racional. Veja a capa de seu disco de 1967 com Frank Sinatra,
em que teve de tocar violão —sentado numa honesta cadeira ao lado do homem.
Um violonista
para quem o banquinho podia ser risco de vida era Baden Powell. Certa vez, no
Teatro Opinião, Baden, tocando sozinho e muitas doses à frente da humanidade,
cochilou no banquinho ao executar seu "Samba em Prelúdio". A plateia
percebeu e se manteve em respeitoso silêncio para não acordá-lo. Por longos
segundos, podia-se ouvi-lo ressonar, de pernas magicamente cruzadas sobre as
três pernas do banquinho. De repente, Baden acordou e, também magicamente,
retomou a canção onde a deixara.
Quase toda a
bossa nova foi feita no banquinho. Daí, talvez, sua delicadeza.
Foto: Ao banquinho e ao violão, em 1968, Baden Powell, com o
Quarteto 004
[Se comentar, assine]
Leia: Como criar alternativas criativas às big techs? https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/02/alternativa-as-big-techs.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário