Governo deve tratar mídia como partido de oposição
Emir Sader, em seu blog
A mais
significativa e a mais grave afirmação feita pelos órgãos da mídia brasileira
nos últimos tempos foi de autoria de Judith Brito, executiva da empresa Folha
de S. Paulo, em 2010, quando ela era presidente da Associação Nacional de
Jornais:
"Na situação atual, em que os partidos de
oposição estão muito fracos, cabe a nós dos jornais exercer o papel dos
partidos. Por isso estamos fazendo."
A declaração é extremamente grave para a democracia
brasileira – afetando tanto o papel dos partidos, quanto da mídia e,
especialmente, o processo de formação da opinião pública. Ela não foi tomada a
sério em todas as suas consequências, como se se tratasse de uma confissão de
sinceridade de uma executiva, sem refletir processos profundos, que pervertem a
democracia brasileira.
É verdade que há uma crise generalizada de
representação dos partidos, processo para o qual a própria mídia colabora
cotidianamente, ao desqualificar a política, os políticos, os governos e os
próprios partidos e, promover, de forma implícita ou explícita, os mercados.
Uma crise que é generalizada praticamente em todos os países, porque as formas
de fazer política se esgotaram, dado o caráter extremamente formal das formas
de representação mas, sobretudo, pela perversão que o poder do dinheiro introduz
cotidianamente na política, nas eleições, nos próprios governos.
Mas a mesma mídia que promove diariamente o
desprestígio da política se vale disso para – como declarou a própria executiva
da Folha – substituir os partidos. Com isso, produz um duplo efeito negativo
para a democracia: enfraquece as formas tradicionais de representação, fundadas
no voto popular, e deforma profundamente o papel da mídia, ao fazer com que ela
assuma o papel de partido de oposição.
A formação da opinião pública é um componente
essencial da democracia, porque nela deveriam expressar-se a diversidade de
pontos de vista, de reivindicações e de interesses existentes na sociedade.
Quando a mídia, que tem um papel central nesse processo, se alinha, de forma
confessa, como partido e partido de oposição, renuncia completamente a
desempenhar esse papel.
No Brasil, desde 2003, esse papel da mídia é
evidente. Em primeiro lugar, pela sua escandalosa parcialidade na informação.
Há uma censura evidente, que seleciona, deformando conscientemente as
informações contrárias ao governo – como se constata no Manchetômetro -, como
deixando de difundir, ou fazendo-o de maneira deformada, toda informação
favorável ao governo. Em segundo lugar, atuando efetivamente como partido, ao
desenvolver campanhas sistemáticas, sempre contra o governo, de pessimismo
econômico e de denuncismo.
Os jornais e revistas não se limitam a emitir suas
opiniões nos seus editoriais, entregando informação de maneira mais ou menos
objetiva e abrigando nas colunas de opinião diversidade de pontos de vista.
Tudo é editorializado, é deformado pelo ponto de vista partidário dos donos das
publicações.
A executiva da Folha tem razão: dada a fraqueza dos
partidos de oposição, a mídia tem desempenhado o papel de partido de oposição.
Portanto, já não são formadores democráticos de opinião, são partidos políticos
e têm que ser considerados assim. (Lembremo-nos que Obama caracterizou a Fox
como um partido político de oposição e passou a tratá-lo dessa maneira.) Se há
essa confissão da então presidente da ANL, basta isso como prova: devemos
considerá-los formalmente como partido de oposição e o governo também deve
fazê-lo, para todos os efeitos.
Fica fazendo falta então partidos representativos e
mídia democrática. O fim dos financiamentos empresariais pode ajudar aos
partidos, mas sua desmoralização requer lideranças de forte legitimidade
popular para recuperar formas democráticas de representação política. E a
democratização da formação da opinião pública requer que se termine com essas formas
pervertidas de mídia-partido opositor, que fazem mal para a política, para a
mídia e para a democracia.
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