Luís Nassif, Jornal GGN
O processo de
fechamento político obedece a uma lógica conhecida:
Etapa 1 – o
golpe inicial nas instituições, com a destituição do presidente eleito.
Etapa 2 – a
perseguição implacável aos derrotados.
Etapa 3 –reação
dos atingidos, na forma de protestos.
Etapa 4 –
superdimensionamento e criminalização dos protestos, para induzir a mais
repressão.
Etapa 5 – o
golpe final, com a suspensão formal das garantias individuais.
Peça
1 – é golpe em preparação, sim
O editorial da
Folha, conclamando ao endurecimento contra os manifestantes marcou a entrada
na Etapa
4.
Some-se a ela a coluna do Secretário de Redação (https://is.gd/x5gmKd) retomando
todos os bordões das guerras ideológicas dos anos 50: uma “elite vermelha” com
um “comitê central” mirando os alvos – empresários, imprensa, parlamentares,
procuradores e juízes – para planejar seus atentados. Os atentados, em questão,
consistem em chama-los de “golpistas”, “dia e noite”. Depois, nas ruas, as
“tropas de assalto” entendendo o recado e partindo para a ação. “Nas
derivações subletradas do marxismo de hoje, o culto da revolução —o banho de
sangue que abriria caminho para o mundo pacificado— deu lugar ao prazer
estético da depredação e do confronto provocado com a polícia”.
Não há mau
jornalismo, paranoia ou estratégia editorial que explique esses artigos.
Trata-se de uma ação deliberada visando utilizar as manifestações contra o impeachment
como álibi para a suspensão dos direitos civis.
Em São Paulo,
o indiciamento de 16 adolescentes por formação de quadrilha, colocando como
indício celulares, gazes, algodão, vinagre e um chaveiro do Pateta; no Rio, a
PM invadindo a sede do PCdoB, a pretexto de estar investigando suspeitas de
atentados nas Olimpíadas, tudo isso configura um quadro claro de endurecimento
político e de interrupção das garantias individuais.
Essa
estratégia está ligada ao rápido esvaziamento do governo Michel Temer e à perda
de perspectiva em relação a 2018. Especialmente à enorme dificuldade encontrada
pela Lava Jato para liquidar com Lula.
A campanha
persecutória contra Lula entra na fase delicada, colocando em risco a imagem do
Brasil no mundo. É este o dilema.
Peça
2 - a encruzilhada da Lava Jato
A ideia da
Lava Jato era a de que Lula chefiava uma organização criminosa e se locupletava
disso. Julgava que bastaria uma acusação, a quebra dos sigilos fiscais e
bancário, dele e da família, uma prensa em alguns delatores para entregar Lula
de bandeja à opinião pública.
Ao longo do
ano, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, porta-voz da Lava Jato, deu
várias entrevistas, prometendo entregar o serviço da condenação de Lula.
Feita a
devassa, não foi identificado nenhum elemento que comprovasse corrupção. Começa
aí uma sucessão de operações contra Lula, uma perseguição implacável, meio sem
nexo, que em breve submeterá o Brasil ao julgamento das cortes internacionais
de direitos humanos.
Peça 3 – a última bala contra Lula
A última
tentativa foi na semana passada, em um relatório da Polícia federal com erros
grosseiros e uma base factual fictícia que apresentou diversas evidências da
perseguição imposta a Lula.
Evidência 1 – a
caracterização do crime.
O relatório
imputa um crime – corrupção passiva – que só se aplica a funcionário público.
Colocaram os supostos delitos na linha do tempo em 2014. Desde 1o de
janeiro de 2011 Lula não é funcionário público. Dona Marisa nunca foi. E não se
incluiu nenhum funcionário público na lista dos indiciados.
Evidência 2 – os
inquéritos ocultos
O que mais
surpreendeu foi o fato da denúncia ter ocorrida no âmbito de um inquérito que
tramitou de forma oculta na PF.
Há um
inquérito público que apurava os verdadeiros proprietários dos apartamentos no
edifício Solaris. Foi relatado sem imputar crime algum a Lula. O inquérito
oculto que só foi descoberto porque o Ministério Público Federal (MPF), talvez
por engano, peticionou no inquérito público indicando o número do inquérito
oculto. Os advogados de Lula fizeram pedido de acesso ao juiz Sérgio Moro. Que
respondeu que só poderia dar acesso com concordância do MPF. Nesse ínterim,
soube-se da existência de um terceiro procedimento, também oculto.
No dia 19 de
agosto, os advogados ajuizaram a reclamação no STF (Supremo Tribunal Federal)
No dia 24 de agosto Moro deu acesso ao inquérito. Dois dias antes, sem permitir
nenhuma possibilidade de esclarecimento, a PF anunciou o indiciamento de Lula e
Marisa. Nada foi instaurado para apurar os fatos relatados. A rigor, ninguém
apurou nada. Indiciamento em si não tem o menor valor legal. Serve apenas para
estigmatizar pessoas e garantir palanque para delegados.
Lula e Marisa
se tornaram alvo da cobiça de todas as partes, inclusive da Associação dos
Peritos da PF que acusou o delegado de divulgar o inquérito sem dar o devido
crédito aos peritos.
O grande feito
do delegado – surrupiando o mérito da Associação dos Peritos – foi a descoberta
de uma rasura em um documento privado. Quem fez, por que fez, não se sabe e nem
se foi atrás para saber. Mas graças à rasura o delegado pode atribuir a Lula o
crime de “falsidade ideológica”.
Enfim, uma
cena de vaudeville em uma das dez maiores economias do planeta.
Peça
4 – os abusos identificados pelo Supremo
O Supremo
reconheceu pelo menos duas ilegalidades graves na Lava Jato:
1. A
ilegalidade do grampo entre Dilma e Lula.
2. Ilegalidade
na conduta de Serio Moro, de dar publicidade às interceptações telefônicas.
Se o Supremo
reconheceu que Moro agiu de forma ilegal, e afirmou que tal conduta poderia
configurar crime, de acordo com jurisprudência pacífica caberia ao PGR tomar
providências. Afinal, confirmou-se que o monitoramento atingiu 35 advogados de
defesa, atingiu a privacidade de um ex-presidente da República e teve papel
relevante na votação do impeachment.
Advogados
estrangeiros consultados não conseguiram identificar episódio semelhante em
qualquer outro país civilizado. O que de mais remoto se levantou foi o juiz
espanhol Baltazar Garzon que monitorou a conversa de um réu preso com seu
advogado. Sequer teve a ousadia de divulgar o áudio. Mas foi punido.
No Brasil, o
monitoramento de 35 advogados não resultou em nada, nenhuma consequência, nem
administrativa nem penal. Havia claro desvio funcional com a lei definindo a
conduta como criminosa. Diversas representações ao CNJ (Conselho Nacional de
Justiça) foram arquivadas. Em junho foram feitas representações ao MPF para
apurar os crimes de abuso de autoridade e crime previsto no artigo 10 da Lei
das Interceptações. Até agora não houve nenhum desdobramento relevante. Foi
feita uma representação por abuso de autoridade dirigida ao PGR Rodrigo Janot.
A medida que tomou foi reencaminhar para o MPF do Paraná.
Todas as
medidas nem foram no sentido de punir os abusos, mas de paralisar os abusos
contra direitos fundamentais de Lula. Em vão.
Peça 5 – a denúncia à ONU
Com o Estado
se recusando a fazer a apuração, sem nada mais a fazer no Brasil, a defesa de
Lula decidiu levar o caso ao Comitê de Direitos Humanos da ONU. Esse recurso
está previsto naqueles casos com ausência de medidas eficazes para paralisar
violações.
Agosto foi mês
de férias. Em setembro as demandas passaram a ser analisadas. A primeira etapa
é o juízo de admissibilidade da comunidade. Aceito, faz-se a instrução do caso
e leva-se a julgamento.
Se condenado,
a ONU monitora o país para verificar o cumprimento dessa obrigação. Em 2005,
ditou novas regras estreitando a análise do monitoramento, com relatórios a
serem encaminhados para a Assembleia Geral afim de dar ciência sobre o
cumprimento ou não do que for acordado.
Nos tempos em
que se apresentava como defensor dos direitos humanos, o PGR Janot deu parecer
no sentido de que o Brasil tem obrigação de cumprir todas as decisões
proferidas por órgãos internacionais em relação aos quais o país aceitou a
jurisdição.
Se a ONU
identifica violação, a condenação envolve tanto a parte de reparação aos danos
acusados - tanto moral como específica - como a punição individual aos
culpados, e não apenas ao juiz que cometeu violações. No Tratado da ONU,
aliás, há um capítulo específico sobre o MPF, indicando como procuradores e
promotores devem atuar na persecução penal, dando parâmetros de conduta.
A base da
denúncia é a parceria procuradores-Judiciário e a pressão da mídia sobre o
Judiciário.
Foi denunciado
que a Lava Jato atropelou um princípio sagrado de direito, que é a separação
entre quem denuncia, quem investiga e quem julga. Há entrevistas do procurador
Deltan Dallagnol dizendo que eles e Moro formam um time só.
Outra tese que
poderá ser levantada pelos advogados de Lula será a da “teoria do avestruz”.
Tenta-se
imputar a Lula a chamada “teoria do domínio do fato” – segundo a qual seria
impossível ao presidente da República não saber as falcatruas cometidas na
Petrobras. Nos Estados Unidos, um juiz isentou a Price Watherhouse de
responsabilidade nas falcatruas da Petrobras, entendendo que ela não teria como
saber.
Levado ao pé
da letra, é possível que sobre para o Ministério Público.
A fiscalização
da Petrobras passava pela auditoria interna, pelo conselho fiscal, pela
auditoria externa, pela Presidência da Petrobras, pelo Ministério das Minas e
Energia, Controlador Geral da União e Tribunal de Contas da União.
Todos os
órgãos têm em comum a presença de um procurador do Ministério Público. Como
alegar, então, que o MPF não sabia das falcatruas? O inquérito inicial é de
2006 e diz que desde então o doleiro Alberto Yousseff era monitorado. Como nada
se descobriu durante anos?
Esse conjunto
de circunstâncias configuraria a chamada “teoria da avestruz”, da cegueira
deliberada.
Leia mais sobre temas da
atualidade:http://migre.me/kMGFD
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