Depois de 10
anos, uma missão do FMI volta a trabalhar hoje [segunda-feira (19)] na
Argentina, auditando as contas do país. O grupo se reunirá com funcionários do
governo, com economistas, com banqueiros, para elaborar seu diagnóstico sobre a
economia argentina.
Por Emir Sader, Brasil 247
Em base a esse diagnostico, recomendarão as receitas do FMI, que a
Argentina já conhece, porque foram as que levaram o pais à pior crise da sua
historia, em 2001-2002. Para tentar acalmar os ânimos, o Ministério da Fazenda
argentino disse que as recomendações não são obrigatórias, mas sabe-se que são
condições indispensáveis para que a Argentina receba os empréstimos que voltou
a pedir ao FMI. Se trata das tristemente famosas “Cartas de intenção”, cujos
termos serão levados pela diretora geral do Fundo, Christine Lagard ao
diretório executivo do FMI.
A Argentina havia terminado com essas auditorias em 2006, quando o então
presidente Nestor Kirchner pagou em efetivo a divida restante de quase 10
bilhões de dólares, na busca de autonomia para definir as políticas econômicas
de seu país. Seu governo havia recebido uma dívida monstruosa da política de
paridade da moeda argentina com o dólar, que vinha do governo de Carlos Menem e
havia sido mantida por Fernando de La Rúa, até que essa política explodiu na
pior crise da historia argentina.
Nestor Kirchner conseguiu renegociar a dívida, oferendo cerca de 25% do
valor dos papéis, 93% dos credores aceitaram e a Argentina pôde assim redefinir
os termos da dívida e pagá-la. Porém, já no segundo governo de Cristina
Kirchner, um juiz norte-americano processou a Argentina, tratando-a de impedir
que seguissem pagando aos 93%, caso não pagasse, na sua totalidade, a dívida
com os 7% restantes. O Judiciário dos EUA deu ganho de causa a esse núcleo
minoritário, que usualmente deveria estar obrigado a aceitar os termos que a
grande maioria dos credores havia aceito. Uma cláusula da renegociação impedia
que o governo argentino pagasse aos que não haviam aceito os termos da redução,
caso contrário teria que pagar esse montante à totalidade dos credores.
Macri herda o impasse e não vacila: desembolsa a totalidade do que a
Argentina deve, em condições ainda piores para o país do que a decisão do juiz
norte-americano. Com o que, à falta de divisas para esse pagamento, a Argentina
pede novo empréstimo para o FMI e recomeça o espiral de endividamento da qual o
país havia conseguido sair com os governos dos Kirchner.
A nova missão publicará suas conclusões, uma vez aprovadas pela
diretoria do FMI e se transformarão em condição para que os novos empréstimos,
a juros altos, sejam liberados para a Argentina, de novo cliente do Fundo. A
partir dessa liberação e da submissão da Carta de Intenção do FMI, o pais
passará a receber regularmente a visita de missões do Fundo, que controlarão se
os duros termos do ajuste fiscal estão sendo colocados em prática, como
condição para que as parcelas seguintes do empréstimos sejam liberadas.
De fato, a política do FMI orienta já, desde os primeiros dias, o
governo de Mauricio Macri. Porém, o governo tropeçou no Judiciário em uma de
suas decisões mais polêmicas: a do término dos subsídios ao consumo do gás,
ponto que certamente será um tema central da Carta do FMI, que rechaça sempre
subsídios estatais, especialmente para o consumo da população.
Os empréstimos do FMI serão assim mais um freio a uma economia em forte
processo recessivo, desde a posse de Macri, com elevação acelerada do
desemprego e de perda do poder aquisitivo dos salários. Nos anos 1980 e 1990 se
falara do “efeito Orloff”, para afirmar que “nós somos vocês amanhã”, quase como
um destino comum obrigatório para todos os governos que se submetem ao FMI. As
políticas do governo Temer caminham na mesma direção. O Brasil que conseguiu
sair do endividamento com o FMI e do próprio Mapa da Fome, corre agora o grave
risco de voltar à mesma ressaca interminável dos empréstimos cada vez mais
caros e com preços econômicos e sociais cada vez mais pesados para nossas
economias, que a submissão ao FMI implica.
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