Luis Fernando Verissimo, no Jornal GGN
Luis Fernando Veríssimo escreveu em O Globo deste domingo (28),
na véspera da última sessão do julgamento do impeachment de Dilma Rousseff, que
não seria nenhuma surpresa se após o afastamento defitinivo da presidente
reeleita em 2014 a Câmara decidisse não mais cassar o mandato de Eduardo Cunha,
premiando-o com o título de "herói do impeachment".
Isso, para o escritor, faz sentido num cenário em que Michel
Temer comete os mesmos "crimes de responsabilidade" que Dilma e
nenhum jornal faz grita sobre isso; Sergio Moro, o juiz que vaza grampo
presidencial, é "justiceiro" para a maioria da população, e Gilmar
Mendes é o único que se levanta contra os abusos da Lava Jato. Que dose! Melhor
evitar o espelho para não descobrirmos que somos os palhaços nessa história
toda, diz Veríssimo.
*
Depois da provável cassação da Dilma
pelo Senado, ainda falta um ato para que se possa dizer que la commedia è
finita: a absolvição do Eduardo Cunha. Nossa situação é como a ópera
“Pagliacci”, uma tragicomédia, burlesca e triste ao mesmo tempo. E acaba mal.
Há dias li numa pagina interna de um grande jornal de São Paulo que o Temer
está recorrendo às mesmas ginásticas fiscais que podem condenar a Dilma. O fato
mereceria um destaque maior, nem que fosse só pela ironia, mas não mereceu nem
uma chamada na primeira página do próprio jornal e não foi mais mencionado em
lugar algum.
A gente admira o justiceiro Sérgio
Moro, mas acha perigoso alguém ter tanto poder assim, ainda mais depois da sua
espantosa declaração de que provas ilícitas são admissíveis se colhidas de
boa-fé, inaugurando uma novidade na nossa jurisprudência, a boa-fé presumida.
Mas é brabo ter que ouvir denúncias contra o risco de prepotência dos
investigadores da Lava-Jato da boca do ministro do Supremo Gilmar Mendes, o
mesmo que ameaçou chamar o então presidente Lula “às falas” por um grampo no
seu escritório que nunca existiu, e ficou quase um ano com um importante
processo na sua gaveta sem dar satisfação a ninguém. As óperas também costumam
ter figuras sombrias que se esgueiram (grande palavra) em cena.
O Eduardo Cunha pode ganhar mais
tempo antes de ser julgado, tempo para o corporativismo aflorar, e os
parlamentares se darem conta do que estão fazendo, punindo o homem que, afinal,
é o herói do impeachment. Foi dele que partiu o processo que está chegando ao
seu fim previsível agora. Pela lógica destes dias, depois da cassação da Dilma,
o passo seguinte óbvio seria condecorarem o Eduardo Cunha. Manifestantes: às
ruas para pedir justiça para Eduardo Cunha!
Contam que um pai levou um filho para
ver uma ópera. O garoto não estava entendendo nada, se chateou e perguntou ao
pai quando a ópera acabaria. E ouviu do pai uma lição que lhe serviria por toda
a vida:
— Só termina quando a gorda cantar.
Nas óperas sempre há uma cantora
gorda que só canta uma ária. Enquanto ela não cantar, a ópera não termina.
Não há nenhuma cantora gorda no nosso
futuro, leitor. Enquanto ela não chegar, evite olhar-se no espelho e descobrir
que, nesta ópera, o palhaço somos nós.
Leia mais sobre temas da
atualidade:http://migre.me/kMGFD
Nenhum comentário:
Postar um comentário