Alô!?
Bom ouvir sua voz
Cícero Belmar, na
Revista Rubem
Pego o celular para mandar uma mensagem, mas em vez de um texto
curto, ou de voz, faço a ligação. Ainda bem que mudei de ideia. Minha amiga
atende e nós terminamos falando mais do que poderíamos supor. O que eu iria
disparar de forma sucinta, virou um papo animado, rimos e constatamos, no final
da ligação, que, se tivéssemos resolvido o assunto pelo WhatsApp, perderíamos o
prazer daquele contato.
Nunca mais tínhamos conversado.
Mesmo antes do distanciamento social, imposto pela pandemia, só nos
comunicávamos pelas mensagens. Agora, em casa, estamos com mais tempo e isso
está permitindo, pelo menos para mim, voltar a um hábito que deixara no passado
(remoto?): ligar para os amigos. Até um mês atrás, correndo muito, como todo
mundo, eu optava pelo mais prático quando precisava resolver alguma coisa pelo
telefone.
Além dessa justificativa de
ganhar tempo, eu achava que mandar uma mensagem de texto era menos invasivo e,
com certeza, não atrapalharia a pessoa amiga que estivesse do outro lado da
linha. Telefonar, mesmo, era uma opção para o extremamente necessário.
Nessa ligação para a amiga,
descobri uma coisa curiosa: mesmo antes deste momento atual, nós já vivíamos
numa espécie de clausura. Tínhamos a liberdade, mas vivíamos longe uns dos
outros. Não sei por que cargas d’água fomos desenvolvendo a ideia de que só era
possível nos comunicarmos pelo WhatsApp.
Claro que não pretendo
demonizar as mensagens de texto ou de voz, nem acho que elas sejam as
responsáveis pelas nossas deturpações. Seria uma insanidade eu pensar isso, até
por que eu acho que o WhatsApp é ferramenta genial, maravilhosa, realmente
adianta muita coisa na nossa vida, conversar em grupo é de muita utilidade.
Para recadinhos objetivos, não há melhor.
Mas, disparar mensagens não
substitui um bom papo. Foi o que redescobri. E fiquei pensando que nós é que
estamos fazendo daquela ferramenta a única forma possível de comunicação.
Estamos vivendo numa sociedade movida a WhatsApp. E aí está um possível erro.
Acho que foi por isso que ouvir a voz de minha amiga, através do telefonema,
tenha sido tão significativo para mim.
Nós deturpamos tudo, sim. Da
mesma forma que o smartphone tem nos proporcionado o privilégio do WhatsApp,
usamos esse equipamento com a mesma lógica dos viciados nas maquininhas do
videopôquer.
Tudo bem. Sei que é reflexão
demais por causa de um simples telefonema. Mas, eu de fato fiquei me
perguntando: quando o distanciamento social que vivemos por causa da pandemia
acabar, e voltarmos a correr no dia a dia, iremos investir nos nossos afetos,
nas nossas amizades? Ou cairemos na cilada da “irrealidade” virtual e, mais uma
vez, deixaremos o contato com os amigos para depois, quando uma futura tragédia
nos der a real da vida?
__________
Cícero Belmar é
escritor e jornalista. Autor de contos, romances, biografias, peças
de teatro e livros para crianças e jovens. Pernambucano, mora no Recife.
Já ganhou duas vezes o Prêmio Literário Lucilo Varejão, da Fundação de
Cultura da Prefeitura do Recife; e outras duas vezes o Prêmio de Ficção da
Academia Pernambucana de Letras. É membro da Academia Pernambucana de
Letras. Email: belmar2001@gmail.com;
Instagram: @cicerobelmar. Na RUBEM, escreve quinzenalmente às
segundas-feiras.
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