Um presidente sem caráter e um país sem
máscaras
Deco
Costa
Olhar o
mundo pela janela e não participar dele lá fora significa, na maioria das
vezes, punição. Nesse contexto pandêmico em que o mundo atravessa ficar recluso
significa responsabilidade. O vírus solto vira nome de rua ou a própria rua.
Atravessa tranquilo avenidas antes agitadas e agora vazias, fora da faixa de
pedestre. Procura uma companhia. Não vive sozinho, precisa de um hospedeiro
para sobreviver enquanto mata. Tem raiva de máscara e queria todo mundo fora de
casa.
Se existe um
país que o vírus não pode reclamar das relações diplomáticas é o Brasil. Aqui
temos um presidente extremamente receptivo. Segue todas as recomendações da boa
etiqueta. Como um digno anfitrião, um “homem cordial”, faz os gostos do
convidado para deixá-lo à vontade. No entanto, toda essa etiqueta e
cordialidade é paga com o esquecimento por quem aqui mora. Principalmente
quando o convidado viral é mal educado e malvado.
A cada dia
vidas viram tristes estatísticas de números frios e contados em valas comuns.
Pessoas, asfixiadas pelo descaso, são privadas da ciência, enquanto a
cloroquina vira bula salvadora. Hospitais com leitos esgotados, “lives” a toda
instante no instagramno afã de deixar a vida normal e o inominável presidente ,
entre as saídas de ministros, tenta controlar a polícia federal enquanto o
vírus cada vez mais controla todos nós.
Fundamentalistas
fascistóides vestidos de verde e amarelo defendem o fechamento do regime e
saúdam o seu Duce dos Trópicos com um sorriso em forma de suástica, pouco
importando as vidas perdidas pelo vírus com a sanha pela fama de letal.
Aliás, empatia pelo próximo virou ideologia política
e não mais sentimento de compaixão. Cuidar e zelar pela sua vida e a de outrem
é um sinal de foice e martelo. Definitivamente não dá mais. Tolerar os
intolerantes é assinar o atestado de óbito de milhares de pessoas. O capitão
marcha com o pesado coturno em cima do futuro do Brasil. Estrangula as
liberdades e instituições democráticas ao troco de uma manada perdida que ainda
pensa como se estivesse nos tempos da Guerra Fria. Faz questão de exilar os seus
opositores dentro do próprio país enquanto assume um relacionamento cada vez
mais forte com o autoritarismo.
Se o vírus
no Brasil virasse gente, não precisaria procurar alguém sem máscaras, bastaria
ser o presidente sem caráter. O cortejo fúnebre é a triste marcha aos ouvidos
do povo.Nesse sentido, a quarentena assume um viés de libertação e não de
prisão. Preso está quem na rua está e o vírus pode pegar.
Não é
preciso se esforçar para acreditar na ciência, basta entender as voltas que a
história dá. As fogueiras da inquisição queimavam nos corpos que defendiam a
razão. A Igreja exercia o papel da alienação, aliás, reconhecido séculos depois
pelo próprio Alto Clero do Vaticano. O Brasil voltou à Idade Média. Pastores
vendem a cura e o irresponsável presidente receita remédio sem ser médico. O
Iluminismo foi arrancado dos nossos livros.
O vírus do
fascismo que subiu a rampa do planalto tem no coronavírus o seu aliado político.Que
as ruas vazias sejam o recado político para o Brasil definitivamente não ficar refém dessa fétida aliança, sobreviver e não
utilizar as urnas da próxima eleição como o depósito do ódio, mas sim como o depósito
da esperança.
*Professor e advogado, mestre e doutorando
em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
[Ilustração: Aroeira]
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