CONTINÊNCIA PARA BIDEN
Na área de defesa, alinhamento militar
do Brasil com os Estados Unidos é cada vez mais automático
Ana Penido e Lívia Peres Milani,
revista piauí
O alinhamento militar do Brasil com os Estados Unidos na área de Defesa –
em nítida expansão desde o governo Temer – foi elevado a outro patamar no
governo Bolsonaro. Um novo desdobramento desse processo ocorreu em outubro,
quando foi autorizado o ingresso de militares dos Estados Unidos da América
para exercícios conjuntos com o Exército e com a Polícia Federal. Esses
episódios representam a intensificação, na área militar, do alinhamento
automático Brasil-Estados Unidos, apesar do cada vez maior distanciamento entre
Bolsonaro e Joe Biden nas áreas de comércio exterior e meio ambiente. Tal alinhamento
implica a construção de uma política de defesa brasileira subserviente aos
interesses nacionais dos Estados Unidos da América. A narrativa de afastamento
em relação ao Brasil, promovida pelo governo Biden, não é confirmada pela
realidade. Quatro pontos ajudam a entender o que está por trás do discurso:
1.
O papel dos
intermediários da Defesa
Até o momento não houve encontros presidenciais entre Biden e Bolsonaro,
e o diálogo direto entre os presidentes foi limitado
à troca de cartas. Contudo, essa dinâmica é apenas parte da
história: as relações entre o Brasil e os Estados Unidos continuam a ser
intensificadas por meio da atuação de ministros e secretários, no caso
brasileiro, muitos ministros-militares. O Conselheiro de Segurança Nacional,
Jake Sullivan, visitou o Brasil em agosto, quando se encontrou com o presidente
e com ministros. Já em setembro, o ex-comandante do Comando Sul estadunidense esteve no Brasil, quando foi condecorado
no Ministério da Defesa. Nessas visitas, chama atenção a constante reafirmação
da necessidade de aproximação em temas de defesa e segurança, o que se
manifesta simbolicamente na proposta de entrada do Brasil em programa de
cooperação com a Otan e materializa-se na realização de exercícios militares
conjuntos.
O alinhamento militar do Brasil com os Estados Unidos na área de Defesa –
em nítida expansão desde o governo Temer – foi elevado a outro patamar no
governo Bolsonaro. Um novo desdobramento desse processo ocorreu em outubro,
quando foi autorizado o ingresso de militares dos Estados Unidos da América
para exercícios conjuntos com o Exército e com a Polícia Federal. Esses
episódios representam a intensificação, na área militar, do alinhamento
automático Brasil-Estados Unidos, apesar do cada vez maior distanciamento entre
Bolsonaro e Joe Biden nas áreas de comércio exterior e meio ambiente. Tal
alinhamento implica a construção de uma política de defesa brasileira
subserviente aos interesses nacionais dos Estados Unidos da América. A
narrativa de afastamento em relação ao Brasil, promovida pelo governo Biden,
não é confirmada pela realidade. Quatro pontos ajudam a entender o que está por
trás do discurso:
1. 2. Os exercícios militares conjuntos e a subordinação do Brasil
Exercícios conjuntos realizados em território nacional com a presença de
potências globais eram raros. Em 2017, os Estados Unidos participaram de
exercício militar na Amazônia a convite do Brasil, com a justificativa de
preparação para atividades humanitárias, como receber migrantes, e combater
delitos transnacionais, como o tráfico de drogas. Em 2020 ocorreu um novo
treinamento na região, dessa vez estritamente militar, partindo da hipótese de
guerra entre dois países amazônidas como Brasil e Venezuela. A atividade não
contou com tropas estadunidenses, mas gerou polêmica pois, no mesmo período e
na mesma região (fronteira com a Venezuela), o Brasil recebeu a visita do então
secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo, em plena corrida
eleitoral estadunidense. Agora em 2021, o governo federal decidiu permitir a
entrada de 240 militares estadunidenses, acompanhados de armamento e
autorizados a permanecer no país por três semanas para realizar exercícios na
região do Vale do Paraíba. O decreto presidencial não explica a razão do
exercício. Segundo o SBTNews, o exercício será realizado no Sudeste
para aproveitar operações aeromóveis já previstas para ocorrer. O exercício
sucederá a um treinamento bilateral ocorrido de janeiro a março nos Estados
Unidos, do qual participaram mais de duzentos militares brasileiros e que, de
acordo com site mantido pelo Comando Sul, fez
parte de um programa de intercâmbio entre os Exércitos com cinco anos de
duração (2017-2021).
A convergência entre os exercícios e os interesses nacionais
estadunidenses é clara, uma vez que contribuem para a manutenção dos militares
brasileiros em uma situação de dependência estratégica, em um momento de
disputa geopolítica com a China. O mesmo, contudo, não pode ser dito com relação
à participação brasileira no exercício: qual o ganho possível para as Forças
Armadas brasileiras em treinar com um exército tão superior em termos de
equipamentos e tecnologia? Qual segmento interno do Exército brasileiro está
envolvido e o quanto esse segmento está comprometido com o governo Bolsonaro?
Por que o Brasil está treinando com um exército que adota uma estratégia
ofensiva como resultado da política externa expansionista dos Estados Unidos?
Um exercício no Sudeste é voltado para qual natureza de ameaças? Para que tipo
de missões deseja-se construir interoperabilidade com o exército estadunidense?
Como essa subordinação impacta nas relações internacionais brasileiras com
outros países da América do Sul?
3.
O “intercâmbio”
entre a Polícia Federal brasileira e o Exército dos Estados Unidos
Outro movimento semelhante, tão grave quanto, foi o decreto permitindo a entrada de
militares dos Estados Unidos para realizar “intercâmbio” com a Polícia Federal,
responsável pela segurança institucional e por prender políticos do alto
escalão. Ressalta-se: não é um intercâmbio com forças policiais estadunidenses,
mas forças militares! O decreto autorizou a entrada de aeronave militar, de
doze militares e de material do Exército norte-americano. Esse treinamento
coloca em xeque a tradicional separação entre a função policial, de proteção da
população, e dos militares, cuja principal função é garantir a defesa nacional,
se necessário fazendo uso da força letal. Salienta-se que, no Brasil, essa
separação existe muito mais enquanto um ideal do que na realidade, e seguiu
turva mesmo com o final do regime militar, mantendo práticas abusivas de uso da
força coercitiva estatal e violações de direitos humanos. Intercâmbios como o
anunciado agravam um problema concreto, estrutural e histórico, contribuindo
com a militarização do policiamento através do contato com material e
equipamento de uma força ofensiva e preparada para a guerra.
4.
O treinamento de
militares brasileiros na antiga Escola das Américas
Além dos exercícios conjuntos propriamente ditos, também vem crescendo
durante o governo atual o número de militares brasileiros que receberam
treinamento em academias estadunidenses, como é o caso do Whinsec, o substituto
da Escola das Américas. De acordo com informação obtida por meio da Lei de Acesso
à Informação pelo Jornal Brasil de Fato, 41 militares
brasileiros passaram pelo instituto nos três anos do governo atual, diante de
41 enviados nos dezoito anos anteriores. A Escola tornou-se notória durante o
período da Guerra Fria pelo renome de seus ex-alunos, muitos dos quais tiveram
um papel de destaque nos regimes militares da América do Sul. No período
recente, quem frequentou os bancos da escola foi o atual ministro do GSI,
general Augusto Heleno, logo após sua passagem pelo comando da Minustah.
Contemporaneamente, quatro ex-militares colombianos que passaram pela escola
foram presos por ligação com o
assassinato do então presidente do Haiti, Jovenel Moïse, e aventou-se uma
tentativa de contratar o mesmo grupo mercenário para o assassinato de Luis
Arce, na Bolívia.
Os quatro pontos acima ajudam a exemplificar a intensificação das
relações militares do Brasil com os Estados Unidos. Diante de um crescente
quadro de instabilidade hegemônica global, ao contrário de uma postura de
distanciamento pragmático das duas potências em disputa, China e Estados
Unidos, militares brasileiros têm ampliado seu engajamento subordinado à
estratégia de defesa estadunidense. A chegada de Biden pode ter mudado o
discurso público, mas não a ação.
.
Veja:
Agora é que fica mais claro que foi uma tremenda demonstração
de fraqueza https://bit.ly/3lRLcVT
Nenhum comentário:
Postar um comentário