Era Bolsonaro: vender o carro para
comprar gasolina
Maksandro Souza*, portal Vermelho
Entre uma fake news e outra, Bolsonaro tem reclamado da Petrobrás. Perante o aumento de preços dos combustíveis e os lucros exorbitantes da empresa, o governo deseja “se livrar” da Petrobrás, através da sua privatização. Para problemas complexos, nada mais estúpido do que soluções simplórias e equivocadas.
A disparada dos preços dos combustíveis
tem assumido contornos dramáticos. Segundo dados do Instituto Brasileiro de
Economia (Ibre/FGV), a inflação nesse grupo atingiu 18,46% em outubro, no
acumulado dos últimos 12 meses. Nesse período, o Etanol subiu 64,45%, a
gasolina aumentou 40,46% e o gás natural veicular ficou 33,11% mais caro. A ANP
(Agência Nacional do Petróleo) informa que o preço médio do gás de cozinha
disparou mais de 30% desde o início do ano. Associados aos aumentos na energia
elétrica, e alimentos, o aumento do gás liquefeito de petróleo penaliza
dramaticamente as famílias com renda de 1 a 3 salários mínimos.
O Observatório Social da Petrobrás,
ligada à Federação Nacional dos Petroleiros (FNP), avalia que os combustíveis atingiram os
maiores patamares do século. A despeito das dificuldades da economia mundial,
que ajudam a explicar em parte o descontrole nos preços, o fenômeno tem forte
conotação local: tudo leva a crer que a inflação este ano no Brasil deve ser
superior que a de 83% dos países. Se a perda do poder de compra tem sido alta,
o mesmo pode ser dito sobre os dividendos distribuídos para os acionistas da
Petrobrás. E não se trata de uma remuneração qualquer.
Na última reunião do seu Conselho de
Administração, a Petrobrás aprovou uma antecipação da remuneração aos
acionistas de R$ 31,8 bilhões, relativa ao exercício de 2021. Somada aos R$
31,6 bilhões anteriormente anunciados, a empresa deve remunerar em R$ 63,4
bilhões os acionistas, referente ao exercício de 2021. Desses, R$23,2 bilhões
tem como destino o grupo de controle (Governo Federal e BNDES e BNDESPar);
investidores não-brasileiros receberão R$ 25,6 bilhões e investidores
brasileiros R$14,3 bilhões. É importante frisar que embora a decisão ainda
caiba ao Estado (que detêm a maioria das ações ordinárias), a composição do
capital social da Petrobrás hoje é majoritariamente privada: a União e demais
entes federados possuem 36,7% desse capital; o FMP- FGTS (fundo mútuo)
Petrobrás detém 1,3%; estrangeiros possuem 42,8% e demais pessoas físicas e
jurídicas outros 19,2%.
Tal adiantamento só foi possível a
partir dos superlucros obtidos pela empresa às custas dos consumidores. No
acumulado dos últimos 12 meses o lucro líquido sobre o patrimônio líquido (ROE)
da Petrobrás foi de 36,2%, frente aos 7,2 obtidos pela média das grandes
petroleiras estrangeiras. No mesmo período a empresa viu sua margem líquida
(lucro líquido/receita líquida) da Petrobrás atingir 34,6, enquanto a Royal
Dutch Shell obteve meros 2,2%. Quando comparamos, em termos percentuais, a
geração de caixa operacional sobre a receita liquida em bilhões de dólares, a
Petrobrás também se sobressai: 48%, frente a 16% da média das estrangeiras.
Esses resultados fazem a alegria dos acionistas que esperam alta rentabilidade
no curto prazo e guardam relação direta com a política de preços praticada por
seu atual presidente, o general da reserva Joaquim Silva e Luna.
Com efeito, os preços altos surgem em
decorrência de múltiplos fatores, dentre os quais podemos citar a ampliação da
dependência das importações, insuficiente capacidade de refino nacional para
atender a demanda local, desintegração da produção estatal, com foco parcial no
sistema de produção e consumo, ampla liberdade para as empresas exportarem sua
produção nacional de petróleo e desinteresse estatal, que negligência o
conceito de segurança energética, aspecto central de qualquer veleidade de
soberania nacional.
Contudo, diante do desgaste ocasionado
pela disparada dos preços e do lucro acintoso obtido pela companhia
petrolífera, Bolsonaro e Paulo Guedes apresentam como solução a privatização da
Petrobrás. Segundo a dupla, privatizar traria mais concorrência e reduziria o
preço da gasolina. A ideia esconde o fato de que, efetivamente, a Petrobrás já
opera como uma empresa privada, exercendo poder de monopólio. O entreguismo
encobre também o fato de que, a despeito do controle acionário do Estado, a
empresa tem como política atual maximizar o lucro para seus acionistas, em
detrimento de contribuir para consecução de objetivos públicos, como a
estabilização de preços.
*Mestre em Economia pela Universidade Federal de Sergipe
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