Em honra do monsenhor
Aristeu
Luciano Siqueira
Confraternização de fim de ano. Mais uma entre várias...
A pandemia não acabou, mas desta vez foi possível rever parentes e amigos em torno da mesa, em casa ou no restaurante, resguardadas as medidas de proteção sanitária.
Tudo como se o isolamento social
compulsório recente tivesse durado décadas!
Então, naquele penúltimo (porque os
seguintes seriam estritamente familiares, cada um em sua tribo) encontro na
Barraca Mar Azul, depois de uma rodada de pinga e não se sabe quantas de
cerveja, o Francinaldo começou a falar dos velhos colegas de colégio.
— E o Amadeu, lembram dele?
— Aquele chato que sempre tirava 10 em
matemática?
— Ele mesmo. Está bem de vida, viu?
Gerente de banco.
— E a Betinha, a mulher mais paciente
do mundo!?
— Paciente por que? — perguntou a
Zélia, mulher do Albuquerque, a única voz feminina ali em nosso grupo.
O Fernandão esclareceu:
— Paciente por que aguentava as
bobagens do Clerinaldo e nunca desatou o namoro.
— Betinha eu a encontrei no
supermercado outro dia. Ela e um neto. É avó de seis, dois do filho Juvenal e
quatro da filha mais velha, Maria Clara. Muito simpática como sempre — completei.
Aí a Zélia pediu licença e saiu para resolver
assuntos particulares. Ficou o Albuquerque, agora bombardeado pelos amigos
ligeiramente alterados, mas ainda não bêbados:
— Ô cara, como é que você traz a tua
mulher aqui!?
— Todo mundo aqui tava pegando leve em
respeito a ela...
— Frescura, gente. Vocês sabem que
minha mulher não esquenta com nada, não sabem? - defendeu-se o Albuquerque.
(Enquanto os protestos se sucediam,
lembrei cá com meus botões aquela máxima que sustento há muitos anos. As quatro
coisas melhores da vida são, pela ordem: muito prazer na cama, comida
minimamente razoável à mesa, política o dia todo, se possível, e falar mal da
vida dos outros em torno de uma mesa de bar, não necessariamente dizendo a
verdade...).
De fato, na medida em que se bebia mais
cerveja o clima de fofoca esquentou e já não se sabia distinguir a verdade e a
invencionice de tudo que se dizia dos velhos colegas e amigos ausentes.
Foi quando me lembrei do Aristeu, que
se destacava na turma pelo pendor religioso, algo estranho naquele ambiente
descontraído do início dos anos 60.
O Gumercindo, que se mantivera calado, agora
visivelmente embriagado porém lúcido, impôs uma espécie de respeito canônico ao
ambiente:
— O Aristeu, os amigos não sabem?, fez
carreira na Igreja Católica, foi pároco em Mossoró e agora estuda no Colégio
Pio, em Roma. Em breve será monsenhor.
Incontinenti, todos se benzeram, menos
eu que sequer tive tempo, pois o Zé Dutra, erguendo-se da cadeira, conclusivo:
— Amigos, eu proponho um brinde ao
monsenhor Aristeu, e em sua homenagem e em respeito à Cúria Romana, eu pago a
conta e declaro encerrado nosso encontro!
Sabe-se lá qual o motivo exato, o fato
é que todos nós nos despedimos de modo sereno e mutuamente
respeitoso.
Quem sabe no final desse atribulado
porém promissor 2022, essa turma possa se reencontrar mais uma vez e recuperar
a algazarra irreverente.
Que assim seja, amém...
.
Veja: A poesia em seus lugares e cores https://bit.ly/3BKdwhd
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