02 janeiro 2022

Crônica do sábado

Em honra do monsenhor Aristeu

Luciano Siqueira

 

Confraternização de fim de ano. Mais uma entre várias...

A pandemia não acabou, mas desta vez foi possível rever parentes e amigos em torno da mesa, em casa ou no restaurante, resguardadas as medidas de proteção sanitária.

Tudo como se o isolamento social compulsório recente tivesse durado décadas!

Então, naquele penúltimo (porque os seguintes seriam estritamente familiares, cada um em sua tribo) encontro na Barraca Mar Azul, depois de uma rodada de pinga e não se sabe quantas de cerveja, o Francinaldo começou a falar dos velhos colegas de colégio.

— E o Amadeu, lembram dele?

— Aquele chato que sempre tirava 10 em matemática?

— Ele mesmo. Está bem de vida, viu? Gerente de banco.

— E a Betinha, a mulher mais paciente do mundo!?

— Paciente por que? — perguntou a Zélia, mulher do Albuquerque, a única voz feminina ali em nosso grupo.

O Fernandão esclareceu:

— Paciente por que aguentava as bobagens do Clerinaldo e nunca desatou o namoro.

— Betinha eu a encontrei no supermercado outro dia. Ela e um neto. É avó de seis, dois do filho Juvenal e quatro da filha mais velha, Maria Clara. Muito simpática como sempre — completei.

Aí a Zélia pediu licença e saiu para resolver assuntos particulares. Ficou o Albuquerque, agora bombardeado pelos amigos ligeiramente alterados, mas ainda não bêbados:

— Ô cara, como é que você traz a tua mulher aqui!?

— Todo mundo aqui tava pegando leve em respeito a ela...

— Frescura, gente. Vocês sabem que minha mulher não esquenta com nada, não sabem? - defendeu-se o Albuquerque.

(Enquanto os protestos se sucediam, lembrei cá com meus botões aquela máxima que sustento há muitos anos. As quatro coisas melhores da vida são, pela ordem: muito prazer na cama, comida minimamente razoável à mesa, política o dia todo, se possível, e falar mal da vida dos outros em torno de uma mesa de bar, não necessariamente dizendo a verdade...).

De fato, na medida em que se bebia mais cerveja o clima de fofoca esquentou e já não se sabia distinguir a verdade e a invencionice de tudo que se dizia dos velhos colegas e amigos ausentes.

Foi quando me lembrei do Aristeu, que se destacava na turma pelo pendor religioso, algo estranho naquele ambiente descontraído do início dos anos 60.

O Gumercindo, que se mantivera calado, agora visivelmente embriagado porém lúcido, impôs uma espécie de respeito canônico ao ambiente:

— O Aristeu, os amigos não sabem?, fez carreira na Igreja Católica, foi pároco em Mossoró e agora estuda no Colégio Pio, em Roma. Em breve será monsenhor.

Incontinenti, todos se benzeram, menos eu que sequer tive tempo, pois o Zé Dutra, erguendo-se da cadeira, conclusivo:

— Amigos, eu proponho um brinde ao monsenhor Aristeu, e em sua homenagem e em respeito à Cúria Romana, eu pago a conta e declaro encerrado nosso encontro!

Sabe-se lá qual o motivo exato, o fato é que todos nós nos despedimos de modo sereno e mutuamente respeitoso. 

Quem sabe no final desse atribulado porém promissor 2022, essa turma possa se reencontrar mais uma vez e recuperar a algazarra irreverente.

Que assim seja, amém...

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