13 junho 2022

A fome e o voto

Pobres ganharam em 2020, perderam tudo em 2021 e largaram Bolsonaro

Renda dos mais pobres cresceu em 2020, mas levou o tombo mais dramático em 2021
Vinicius Torres Freire, Folha de S. Paulo

 

A gente especulava que o fim do auxílio emergencial de R$ 600 ajudou a derrubar a popularidade de Jair Bolsonaro. Os números impressionantes da pesquisa de rendimentos do IBGE, a Pnad Anual, divulgada na sexta-feira, reforçam a hipótese.

O rendimento dos brasileiros que estão entre os 40% mais pobres teve um ganho relevante em 2020, primeiro ano da epidemia. Entre os 10% mais pobres, o aumento médio foi de 15% acima da inflação, por exemplo, chegando ao maior nível desde 2016. Para o restante do grupo dos 40% mais pobres o avanço foi menor, mas o rendimento real em 2020 chegou a ser maior do que em 2015.

Para os 60% "mais ricos", o rendimento médio caiu em 2020, embora pesquisas como a Pnad não captem bem certos ganhos das pessoas no topo da pirâmide.

Renda aqui quer dizer "rendimento domiciliar per capita" (rendimento somado de todas as pessoas que moram juntas dividido pelo número de moradores da casa). Inclui rendimentos de trabalho, Previdência, assistência social ou outros quaisquer.

Em 2021, toda as classes de renda perderam —quanto mais pobre, maior o tombo. Perdeu-se não apenas o avanço de 2020, mas a renda baixou ao pior nível da década, o menor desde 2012, pelo menos (é o último ano para o qual há dados comparáveis).

Veja: A fome por si mesma não esclarece https://bit.ly/3sorzHH

A assistência diminuiu, assim como seu efeito sobre pequenos circuitos econômicos locais, talvez no emprego/bico em periferias e cidades menores. A inflação fez o resto do estrago. No ano passado, o rendimento dos 5% mais pobres do Brasil era 48% menor do que em 2012.

Entre agosto e dezembro de 2020, a nota de Bolsonaro chegaria ao melhor nível, com exceção do primeiro trimestre de 2019, início do mandato. No segundo semestre de 2020, a avaliação da situação econômica também melhorava, embora ainda negativa.

Depois do final de 2020, a avaliação de Bolsonaro jamais sairia do vermelho: o número de pessoas que lhe dava a nota "ruim/péssimo" sempre foi maior do que o de "ótimo/bom".

Em 2021, a atividade econômica, o PIB, cresceu, compensando as perdas de 2020, uma recuperação em "V", como gosta de dizer Paulo Guedes. Mas o avanço da renda, oh, ficou muito abaixo de "O", zero.

Pelos dados ora disponíveis no IBGE, não dá para cravar que o aumento de rendimento dos mais pobres tenha se devido exatamente ao auxílio emergencial. Mas a variação do rendimento domiciliar per capita entre 2019 e 2021, da alta à baixa, foi mais expressiva nas casas em que se recebia assistência.

Não convém dar crédito excessivo a explicações econômicas —lembre-se de Junho de 2013. E por que as mulheres votam menos em Bolsonaro? Elas penam mais com a pobreza, mas seria só isso? Além do mais, o final de 2020 foi de arrefecimento da epidemia; a primeira metade de 2021 foi de recrudescimento brutal, os meses de maior morticínio.

As atrocidades de Bolsonaro devem ter insultado os já feridos: debochava de doentes em asfixia, mandava as pessoas à morte (que deixassem de ser "maricas") e passeava de jet-ski enquanto dezenas de milhares agonizavam ou enterravam seus mortos sem dizer adeus. Não tinha palavra sobre a fome crescente.

A impopularidade de Bolsonaro cresceria até setembro de 2021, ficando mais ou menos nesse patamar recorde até fevereiro deste 2022. Então o número de pessoas com algum trabalho começaria a crescer de modo expressivo, embora o valor do salário médio também ainda seja o pior da década.

Por último, mas não menos importante: a distância entre os salários médios de brancos e pretos aumentou na recessão de 2016. Em 2021, pessoas brancas ganhavam em média 77,6% mais do que as pretas. 

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Programa de Lula em debate https://bit.ly/3trR3UK

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