Maradona queria passar a bola,
mas sempre tinha um inglês pela frente
O gol mais bonito das Copas foi a união do gênio com uma
série de acasos
Tostão, Folha de S. Paulo
No futebol e
em todas as atividades, fazer diagnósticos e prognósticos baseados somente em
estatísticas, informações e esquemas táticos é tão falho quanto descobrir
doenças em listas de sintomas que estão nas redes sociais, sem a presença de um
médico. O Google não é um bom médico.
Como escreveu José Miguel Wisnik, no livro "Veneno
Remédio", há, no futebol, várias lógicas que se cruzam,
alternam-se, completam-se. O acaso possui também uma lógica, a de ser comum,
embora não saibamos onde e quando vai ocorrer, nem a favor de quem. São fatos
aleatórios, técnicos, físicos e emocionais.
Há muitas
outras lógicas inexatas, como as condutas dos árbitros de campo e de vídeo, que
nos iludiu de que seria uma solução precisa, inquestionável, rápida e
definitiva. O VAR chegou para confundir, como diria Chacrinha.
Falo muito do
imponderável, mas sou apaixonado pela ciência, admirador dos treinadores e dos
detalhes técnicos e táticos. O acaso e o talento podem caminhar juntos.
Na Copa de 1986, segundo relatos de Maradona, ele, quando recebeu a bola no campo
da Argentina, pensou em passá-la ao companheiro, mas apareceu um inglês pela
frente, e ele teve de driblá-lo. Assim, sucessivamente, Maradona queria passar a bola, mas sempre tinha um
inglês, inclusive o goleiro, para ser driblado, até que fosse feito o gol mais
bonito das Copas. Foi a união do gênio com uma série de acasos.
Leia também: De chaleira, como
antigamente https://bit.ly/3IdHpuV
No futebol,
em todas as profissões, na sociedade e na vida, detalhes técnicos, táticos e
lances inesperados costumam mudar a história de um jogo, de um atleta, de um
time, de um campeonato, de um país e do mundo. A vida é o encontro do desejo,
dos fatos possíveis, emocionais e biológicos e do imprevisível.
No meio
de semana, pela Copa do Brasil, detalhes decidiram as partidas. O Flamengo, no
empate por 0 a 0 com o Athletico, teve cinco chances claras de gol e não
marcou, por erros técnicos e porque as bolas passaram a centímetros do alvo.
O Athletico
conquistou um ótimo resultado, pois é muito forte em casa. Não há mais
favorito. O time paranaense marcou muito atrás, como se esperava, para depois
contra-atacar, o que não conseguiu.
A
qualidade das partidas tem sido inferior ao entusiasmo do público e dos
estádios cheios. O São Paulo joga um futebol intenso, mas há pouca troca de
passes e domínio da bola. Se o América não tivesse perdido um pênalti, o time
paulista seria hoje criticado. Em BH, o Coelho tem chance de se classificar. Já
o Fluminense, com a vitória por 1 a 0, fora de casa, sobre o Fortaleza, tem uma
grande vantagem para chegar às semifinais da Copa do Brasil.
Depois
das partidas, há sempre dezenas de explicações para as atuações, as vitórias e
as derrotas. O técnico Vítor Pereira, após a derrota do Corinthians por 2 a 0
para o Atlético-GO, falou que a vitória, dias atrás, sobre o Atlético,
prejudicou a equipe, que não teria tido a gana que teve no Mineirão. Se o
Corinthians tivesse vencido o time goiano, o técnico poderia falar que a vitória
sobre o Galo teria aumentado a confiança da equipe. Todas as explicações são
bem-vindas. Viva a diversidade!
A
estratégia e o talento individual são essenciais. Porém, com o desenvolvimento
da ciência esportiva, existe, cada vez mais, uma tendência de valorizar a
maneira de jogar e as decisões dos treinadores. É necessário valorizar mais os
belos lances e formar atletas mais completos e inventivos, os protagonistas do
espetáculo.
Veja: Em “Griz”, de Cida Pedrosa, o verso que afaga e corta https://bit.ly/3J38npM
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