O sentimento das cores nas paisagens
abstratas de Carlos Décimo
A obra de Carlos Décimo, em
exposição na Galeria Décimo, da Câmara dos Deputados, até o dia 30 de junho,
distancia-se do poder representativo da imagem figurativa para realizar-se como
paisagem abstrata.
Kadma Marques, Vermelho www.vermelho.org.br
Envoltos em segredo, certos talentos emergem espontaneamente. Como
prever em meio a tantas vidas, aquelas vocacionadas a dedicar seu tempo ao
exercício do olhar? Carlos Décimo encontrou na labuta com as cores o elemento
que enraíza seu sentimento do mundo. Suas cores fazem a tela pulsar, mas jamais
por seus valores individuais ou por expressarem-se isoladamente. O artista cria
relações colorísticas que conformam paisagens depuradas a partir de sua
experiência visual cotidiana.
Em “Caminhos do Imaginário: Gênesis ao Cerrado” o artista cearense expõe
um conjunto de obras que enfatizam intuitivamente o encantamento e exploração
perceptiva de um território que não é originalmente o seu. Quanto
estranhamento, contemplação e disposição introspectiva acham-se investidos na
conversão da emoção vivida – da objetividade da paisagem admirada a elementos
plásticos subjetivados, mesclando a riqueza da cor à simplicidade do ponto?
No caso das paisagens abstratas de Carlos Décimo, o ato de conferir
título à exposição revela não somente o caminho inverso àquele da história das
formas abstratas (marcadas por inúmeros trabalhos sem título), mas também a
generosa disposição do artista em indicar ao público o caminho para desvendar
sentidos latentes em suas obras. Nelas o olhar iniciado encontrará relações
entre as criações precursoras do pontilhismo de Georges Seurat, que no século
XIX atomizava figuras em pontos de cores complementares; mas também os
espetáculos pictóricos oferecidos pelo gesto desbravador da abstração de Antonio
Bandeira. Ao mesmo tempo em que este mesmo olhar afastaria a ideia dos pontos
como pixels, pois neste trabalho nada há de maquínico, mas antes vê-se o
predomínio de formas e ritmos orgânicos ou naturais.
Mesmo que o percurso autodidata do artista não favoreça a presença clara de tais referências em poética particular, elas circulam no universo da arte como parte do acúmulo histórico de formas artísticas. Por isso talvez tais formas repercutam na tarefa de apreensão criativa da exuberância que atravessa a paisagem do Planalto Central, com a qual conviveu de 2004 e 2018. Ao contrário de outros artistas cuja inspiração ratifica elementos concretos do mundo material (o Cerrado), a obra de Carlos Décimo distancia-se do poder representativo da imagem figurativa para realizar-se como paisagem abstrata. No que se refere à feitura de suas telas, o desafio da urgência imposta pela secagem instantânea da tinta acrílica é equilibrado com o tempo ampliado pela produção de textura por camadas. Neste sentido, alterna-se em seu processo criativo a produção de planos monocromáticos seguida daquela do gesto contido, o qual se multiplica no limite do ponto como recurso plástico.
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Ao invés do rasgo emocional viabilizado pelo gestual aéreo dos drippings e escorrimentos, à maneira de um Pollock ou de um Bandeira, Carlos Décimo abdica do aleatório na expressão da emoção e assume o controle do tempo meticuloso exigido para sua definição. Há nesta emoção um forte sentimento do sagrado, o qual tece uma ponte conceitual que aproxima o maravilhoso e o infinito da paisagem do Gênesis ao encantamento e sensações provocadas pelos espaços vastos que delineiam o Cerrado.
Nessa articulação, a percepção do artista é o eixo central pelo qual passam a sensibilidade, a técnica cultivada, o saber espontâneo, o sentimento de estar em comunhão com um mundo cuja materialidade é decantada, convertendo-se em imagem plástica graças à simplicidade do ponto colorido. Este elemento pictórico tem por função evidenciar para o público que este último está diante de pinturas e não de uma reapresentação da paisagem “real”.
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