09 outubro 2022

Futebol: atletas geniais

Grandes meio-campistas atuam como se estivessem na arquibancada

Jogam como se tivessem um megacomputador que calculasse todos os movimentos da bola, dos companheiros e dos rivais
Tostão, Folha de S. Paulo

 

O futebol precisa ser mais bem avaliado e discutido. Noto, cada vez mais, uma transformação nas entrevistas dos treinadores, brasileiros e de fora, com mais explicações técnicas e táticas. Isso não acontecia e contribui para a melhoria da qualidade do esporte.

presença de treinadores estrangeiros, especialmente os portugueses, mais acostumados com uma rígida formação acadêmica, científica, tem sido importante para essa evolução. Os treinadores brasileiros têm tido a mesma postura.

Na coluna anterior, escrevi sobre a similaridade de várias equipes, mesmo com níveis técnicos bem diferentes, como Independiente del Valle, Fluminense, Manchester City e outros times, que se destacam pela aproximação e pela troca de passes de uma área à outra.

São parecidos, mas diferentes. O City utiliza a estratégia posicional, com pontas abertos que esperam a bola, e se destaca pelas triangulações entre o ponta, o meia armador e um meio-campista de cada lado, enquanto, no Fluminense, os jogadores trocam muito de posição, vão à procura da bola e se agrupam em um setor.

O Palmeiras e outras equipes, como a seleção brasileira, alternam a maneira de jogar, de acordo com o momento e o adversário. Seja qual for a escalação na estreia da Copa, o Brasil, quando não tiver a bola e não conseguir recuperá-la onde a perdeu, vai formar duas linhas de quatro na marcação, com dois volantes pelo centro e dois pontas que atacam e recuam rapidamente para marcar. Neymar e outros companheiros ficarão livres para iniciar os contra-ataques.

O Brasil, durante décadas, teve laterais que marcavam e atacavam com muito talento. No Mundial de 1958, o lateral esquerdo Nilton Santos avançava, enquanto o técnico Feola gritava para ele voltar. Contra a Áustria, Nilton Santos atacou, trocou passes e fez um dos três gols na vitória por 3 a 0.

No Qatar, será diferente. Como o Brasil joga com dois pontas rápidos, dribladores, agressivos e abertos, não haverá necessidade de ter laterais que avançam tanto, a não ser em momentos específicos. Tite deve alternar pelos lados um lateral mais marcador e outro mais construtor, o que vai liberar o segundo volante para atacar.

A seleção brasileira de 1970, símbolo do futebol bem-jogado, não tinha um atacante pela esquerda, já que o lateral Everaldo era mais marcador que apoiador, e Rivellino era um terceiro no meio-campo. Eu, em alguns momentos, ocupava esse setor, como ocorreu contra o Uruguai, quando recebi a bola pela ponta e lancei o volante Clodoaldo, que penetrava pelo centro e marcou.

Esse gol só ocorreu porque, minutos antes, Gerson, que era marcado individualmente, pois sabiam que o início das jogadas passava muito por ele, trocou, por iniciativa própria, de posição com Clodoaldo.

Gerson e os grandes meio-campistas do futebol mundial, do passado e do presente, atuam como se estivessem na arquibancada, vendo a partida de cima, como se tivessem um megacomputador ligado ao corpo, que calculasse todos os movimentos e a velocidade da bola, dos companheiros e dos adversários. Os neurocientistas chamam isso de inteligência cinestésica.

Tite e a comissão técnica já ensaiaram e pensaram em tudo. Conhecem todos os detalhes da seleção e dos adversários. O problema é que, no futebol e na vida, ocorre, com frequência, o inesperado, que necessita de respostas imediatas, geralmente inseguras e não programadas. Um tiro no escuro.

Leia também: De chaleira, como antigamente https://bit.ly/3IdHpuV

Nenhum comentário: