Grandes meio-campistas atuam
como se estivessem na arquibancada
Jogam
como se tivessem um megacomputador que calculasse todos os movimentos da bola,
dos companheiros e dos rivais
Tostão, Folha de S. Paulo
O futebol precisa ser mais bem avaliado e discutido. Noto, cada
vez mais, uma transformação nas entrevistas dos treinadores, brasileiros e de
fora, com mais explicações técnicas e táticas. Isso não acontecia e contribui para
a melhoria da qualidade do esporte.
A presença
de treinadores estrangeiros, especialmente os portugueses, mais
acostumados com uma rígida formação acadêmica, científica, tem sido importante
para essa evolução. Os treinadores brasileiros têm tido a mesma postura.
Na coluna
anterior, escrevi sobre a similaridade de várias equipes, mesmo com
níveis técnicos bem diferentes, como Independiente del Valle, Fluminense,
Manchester City e outros times, que se destacam pela aproximação e pela troca
de passes de uma área à outra.
São parecidos, mas diferentes. O City utiliza a estratégia
posicional, com pontas abertos que esperam a bola, e se destaca pelas
triangulações entre o ponta, o meia armador e um meio-campista de cada lado,
enquanto, no Fluminense, os jogadores trocam muito de posição, vão à procura da
bola e se agrupam em um setor.
O Palmeiras e outras equipes, como a seleção
brasileira, alternam a maneira de jogar, de acordo com o momento e o
adversário. Seja qual for a escalação na estreia da Copa, o Brasil, quando não
tiver a bola e não conseguir recuperá-la onde a perdeu, vai formar duas linhas
de quatro na marcação, com dois volantes pelo centro e dois pontas que atacam e
recuam rapidamente para marcar. Neymar e outros companheiros ficarão livres
para iniciar os contra-ataques.
O Brasil, durante décadas, teve laterais que marcavam e atacavam
com muito talento. No Mundial de 1958, o lateral esquerdo Nilton Santos
avançava, enquanto o técnico Feola gritava para ele voltar. Contra a Áustria,
Nilton Santos atacou, trocou passes e fez um dos três gols na vitória por 3 a
0.
No Qatar, será diferente. Como o Brasil joga com dois pontas
rápidos, dribladores, agressivos e abertos, não haverá necessidade de ter
laterais que avançam tanto, a não ser em momentos específicos. Tite deve
alternar pelos lados um lateral mais marcador e outro mais construtor, o que
vai liberar o segundo volante para atacar.
A seleção brasileira de 1970, símbolo do futebol bem-jogado, não
tinha um atacante pela esquerda, já que o lateral Everaldo era mais marcador
que apoiador, e Rivellino era
um terceiro no meio-campo. Eu, em alguns momentos, ocupava esse setor, como
ocorreu contra o Uruguai, quando recebi a bola pela ponta e lancei o volante
Clodoaldo, que penetrava pelo centro e marcou.
Esse gol só ocorreu porque, minutos antes, Gerson, que era
marcado individualmente, pois sabiam que o início das jogadas passava muito por
ele, trocou, por iniciativa própria, de posição com Clodoaldo.
Gerson e
os grandes meio-campistas do futebol mundial, do passado e do presente, atuam
como se estivessem na arquibancada, vendo a partida de cima, como se tivessem
um megacomputador ligado ao corpo, que calculasse todos os movimentos e a
velocidade da bola, dos companheiros e dos adversários. Os neurocientistas
chamam isso de inteligência cinestésica.
Tite e a
comissão técnica já
ensaiaram e pensaram em tudo. Conhecem todos os detalhes da seleção e dos
adversários. O problema é que, no futebol e na vida, ocorre, com frequência, o
inesperado, que necessita de respostas imediatas, geralmente inseguras e não
programadas. Um tiro no escuro.
Leia também: De chaleira, como antigamente https://bit.ly/3IdHpuV
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