Fahrenheit 451, do escritor americano Ray Bradbury (1920/2012) cuja primeira edição data de 1953, é uma das referências literárias da segunda metade do Século XX e gerou filme homônimo, em 1966, dirigido por François Truffaut (1932/1984). O romance se passa numa sociedade estrambólica, num futuro com cara de presente, onde os livros são considerados extremamente perigosos, coisas proibidas e condenados à destruição – incineração, no caso específico.
LIVROS NA FOGUEIRA
Nessa sociedade ficcional, o autoritarismo manda no mundo e portar e/ou ler livros é um grave delito, capaz de condenar à prisão ou ao hospício quem infrinja essa lei. Para combater esse crime hediondo, o governo criou brigadas especiais de “bombeiros” cuja função é localizar e tocar fogo nos volumes impressos. Fahrenheit, como se sabe, é uma escala para medir temperatura (criada em 1724) em que o ponto de ebulição da água é 212ºF, o congelamento é a 32ºF – e a 451ºF o papel pega fogo.
IGNORÂNCIA ACIMA DE TODOS
Queimar livros foi uma das obsessões do nazismo na Alemanha, prática também registrada em outras épocas e locais. Em verdade, essa é uma manifestação incendiária da velha e má censura, de agressão ao saber. Na Idade Média, para ser impressa, qualquer obra tinha de ser submetida a um censor da Igreja Católica e, caso seu conteúdo fosse considerado “apropriado”, recebia o selo Nihil Obstat, abreviação de Nihil obstat quominus imprimatur (Nada obsta que seja impressa).
OBTUSIDADE ATUAL
Nesse Brasil dos nossos dias, o medievalismo parece estar redivivo, e os livros voltaram a ser lambidos pelas chamas da ignorância. O veto ao livro “O Avesso da Pele”, cometido neste ano, nas escolas públicas do Paraná e do Mato Grosso do Sul, chamou a atenção para esse atentado ao desenvolvimento humano. Escrita por Jeferson Tenório, professor carioca radicado no Rio Grande do Sul, trata de questões raciais e sociais, o que irritou a hipocrisia conservadora que assolam o País. Felizmente, num contra-ataque cidadão, a obra passou a ser recomendada para os vestibulares.
DRAMA RECORRENTE
Em 2019, o então prefeito do Rio de Janeiro, Crivella, em ato que causou escândalo internacional, tentou intervir na Bienal do Livro para tirar dos estandes um gibi onde personagens gays se beijavam. Em 2020, o governo de Rondônia foi acusado de estimular no estado um “laboratório do conservadorismo”, em benefício da tríade “Bíblia, Boi e Bala”, depois de mandar retirar das bibliotecas das escolas públicas livros de autores consagrados como Rubem Alves, Mário de Andrade, Machado de Assis, Franz Kafka, Euclides da Cunha... a repercussão negativa forçou o cancelamento da iniciativa. Infelizmente, essa tendência de tocar fogo nos livros segue quente.
MACEIÓ NESSA LISTA?
Correm notícias que, neste ano da graça de 2024, em Maceió, o COC, um dos colégios mais badalados da capital alagoana, teria retirado o livro “Meu Pé de Laranja Lima” da lista de leituras recomendadas, por conta da pressão de grupos de pais de alunos, que consideravam aquela ficção um perigo para a juventude. Isso mesmo: o doce “Meu Pé de Laranja Lima” teria ido pra fogueira, a 451ºF! Escrito em 1968 por José Mauro de Vasconcelos (1920/1984), o romance infanto-juvenil escapou da censura da ditadura militar no ano do AI-5, foi traduzido para 50 idiomas, convertido em filme de cinema e novelas de TV (Tupi e Bandeirantes), mas virou cinzas no mar da Pajuçara. Isto sim, é um enredo distópico.
Cida Pedrosa: "Precisamos fazer as pazes com a nossa História" https://tinyurl.com/aa4xn5et
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