Pablo Neruda, o poeta da revolução
Com mais de 40 livros e laureado com Nobel de Literatura, autor permanece até hoje como o mais popular escritor do Chile
Estevam Silva/Opera Mundi
Há 52 anos, em 23 de setembro de 1973, falecia o poeta chileno Pablo Neruda. Considerado um dos maiores autores do século 20, ele deixou uma produção vasta e multifacetada, abordando temas que vão da angústia romântica à celebração épica da resistência e das lutas sociais e políticas.
Autor de mais de 40 livros e laureado com o Prêmio Nobel de Literatura, Neruda permanece até hoje como o mais popular escritor do Chile, com obras traduzidas para dezenas de idiomas. Militante do Partido Comunista, ele usou a poesia como instrumento de denúncia contra a injustiça social. Como diplomata, ajudou a resgatar milhares de refugiados da Guerra Civil Espanhola. Eleito senador, foi um convicto apoiador das causas trabalhistas, até ter seu mandato cassado e ser forçado ao exílio.
Sua morte, ocorrida apenas 12 dias após o golpe militar de 1973, provocou suspeita por décadas. Em 2023, uma investigação realizada por uma equipe de peritos internacionais apontou que Neruda provavelmente foi vítima de envenenamento.
Infância e juventude
Pablo Neruda nasceu em 12 de julho de 1904, na comuna de Parral, região de Maule, no Chile central. Era filho do ferroviário José del Carmen Reyes Morales e da professora Rosa Neftalí Basoalto Opazo. Sua mãe faleceu dois meses após seu parto, vitimada pela tuberculose. Inicialmente criado pela avó paterna, Neruda se mudou com o pai para Temuco, no sul do Chile, onde estudou no Liceu de Homens.
Batizado Ricardo Eliécer Neftalí Reyes Basoalto, o escritor adotou o pseudônimo “Pablo Neruda” ainda na adolescência, possivelmente uma referência ao autor Jan Neruda ou à violinista Wilma Neruda. Era um meio de contornar a desaprovação familiar, já que seu pai considerava a poesia uma ocupação frívola, sem futuro.
Desde muito pequeno, Neruda demonstrava enorme talento para a escrita. Ele começou a compor poemas aos 10 anos de idade, inspirado pelas paisagens pitorescas de Araucanía. Aos 13 anos, publicou seu primeiro artigo, intitulado Entusiasmo e Perseverança, no jornal La Mañana. Dedicou-se desde então à poesia, escrevendo para periódicos como Corre-Vuela e Selva Austral.
Em 1919, Neruda conquistou o terceiro lugar nos Jogos Florais de Maule, com o poema Noturno Ideal. No ano seguinte, ele conheceu Gabriela Mistral, então diretora do Liceu Feminino. A escritora se tornaria sua mentora intelectual, incentivando-o a persistir na escrita poética e apresentando-o aos clássicos da literatura russa — referências que teriam forte impacto sobre seu estilo, adicionando ao seu lirismo romântico uma sensibilidade social aguda.
Início da carreira literária
Neruda se mudou para Santiago em 1921 e ingressou no Instituto Pedagógico da Universidade do Chile, intencionando tornar-se professor. A efervescência cultural da capital, os cafés boêmios e círculos literários, no entanto, o atraíam muito mais do que as atividades acadêmicas. Ele mergulhou fundo no circuito literário, participando de concursos de poesia e enviando textos para revistas especializadas.
Ainda em 1921, o jovem poeta conquistou o Prêmio da Festa da Primavera, com o poema A Canção da Festa, posteriormente publicado na revista Juventud. Dois anos depois, escreveu seu primeiro livro, Crepusculário, uma coletânea de poemas influenciados pelo simbolismo e pelo modernismo hispano-americano. A obra lhe rendeu elogios de escritores consagrados, tais como Raúl Silva Castro e Pedro Prado.
No ano seguinte, Neruda publicou Vinte Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada, livro repleto de lirismo e influxo estético modernista, que o consolidaria como um dos grandes poetas chilenos. A obra fez enorme sucesso e segue até hoje como um dos trabalhos mais influentes do século 20 em língua espanhola.
Em 1925, Neruda assumiu a direção da revista Caballo de Bastos, e colaborou com periódicos como Claridad, Los Tiempos e Dionysos. Entre as décadas de 20 e 30, produziu poemas inspirados pela angústia romântica, de caráter introspectivo e melancólico, mas absorveu progressivamente a influência do surrealismo.
O autor participou ativamente do movimento de renovação formal da literatura chilena, com um esforço particularmente visível em obras como O Habitante e sua Esperança, Anéis e Tentativa do Homem Infinito.
Atuação diplomática e a Guerra Civil Espanhola
Neruda ingressou na carreira diplomática em 1927, sendo nomeado cônsul em Rangum, na Birmânia (Myanmar), onde iniciou um relacionamento com Josie Bliss. Nos anos seguintes, integrou as representações consulares do Chile no Sri Lanka, Java e Singapura.
Na Batávia (atual Jacarta, na Indonésia), o poeta se envolveu com a holandesa Maria Antonia Hagenaar, dita Maruca. Eles se casaram em 1930 e se mudaram para a Espanha, onde tiveram uma filha, Malva Marina, nascida em 1934. A menina sofria de hidrocefalia e faleceu aos oito anos de idade. Dois anos após o nascimento de Malva, o relacionamento com Maruca chegou ao fim.
Entre as obras de destaque no período, encontra-se Residência na Terra, uma coletânea de poemas de inspiração surrealista, caracterizada por um tom pessimista e pela linguagem metafísica. O livro é o marco de sua fase experimental, apresentando uma poesia mais introspectiva e sombria, tendo como foco a reflexão sobre a condição humana.
Em Madri, Neruda travou amizade com os poetas espanhóis Federico Garcia Lorca e Rafael Alberti — ambos apoiadores das forças republicanas durante a Guerra Civil Espanhola. O assassinato de Garcia Lorca e as atrocidades cometidas pelas tropas de Francisco Franco o motivaram a escrever a obra Espanha no Coração, denunciando os horrores do conflito e exaltando a resistência popular.
A experiência na Guerra Civil Espanhola marcaria a adesão definitiva de Neruda às ideias marxistas. O escritor se dedicaria desde então a defender o comunismo e a unidade latino-americana e a denunciar as injustiças sociais, a opressão colonial e a exploração das classes trabalhadoras.
Em 1939, durante o governo de Aguirre Cerda, Neruda assumiu o cargo de cônsul em Paris. Nessa função, ele foi responsável por coordenar o “Projeto Winnipeg”, organizando a evacuação de cerca de 2.200 refugiados republicanos da Guerra Civil Espanhola — uma operação humanitária que ele descreveria como seu “poema mais nobre”.
No ano seguinte, mudou-se para a Cidade do México, onde assumiu o cargo de cônsul-geral. Viveu no país por três anos, aproximando-se de artistas como Diego Rivera e Frida Kahlo. Neruda foi responsável por viabilizar a fuga para o Chile de David Alfaro Siqueiros, então acusado de envolvimento na operação para assassinar Leon Trotsky.
Em 1943, o escritor se casou com a pintora argentina Delia del Carril, conhecida como “La Hormiguita”. Ela era uma militante ativa do movimento comunista e, assim como Neruda, ajudou a organizar campanhas de solidariedade em favor dos republicanos durante a Guerra Civil Espanhola.
Militância no Partido Comunista e exílio
De volta ao Chile, Neruda aproximou-se cada vez mais das organizações operárias e dos movimentos sociais. Em 1945, ele foi eleito senador pelo Partido Comunista do Chile (PCCh), representando as províncias de Tarapacá e Antofagasta. Nesse mesmo ano, Neruda viajou para o Brasil, ocasião em que leu um poema em homenagem ao líder comunista Luiz Carlos Prestes para um público de 100 mil pessoas no Estádio do Pacaembu.
Durante seu mandato, Neruda se dedicou, sobretudo, às questões laborais. Ele defendeu a ampliação dos direitos trabalhistas e o fortalecimento das organizações sindicais. Denunciou firmemente as condições precárias de trabalho nas minas de salitre e cobre e apoiou projetos que visavam combater a desigualdade social.
Em 1948, cedendo à pressão dos Estados Unidos, o presidente chileno Gabriel González Videla empreendeu uma onda de repressão à esquerda radical. Após a promulgação da “Lei de Defesa da Democracia”, o Partido Comunista do Chile foi banido e os parlamentares comunistas tiveram seus mandatos suspensos. Videla também reprimiu violentamente as organizações sindicais e as greves dos mineiros, mandando milhares de trabalhadores para o campo de concentração de Pisagua.
Perseguido pelo governo chileno e alvo de um pedido de prisão, Neruda foi forçado a deixar o país. Ele cruzou a Cordilheira dos Andes a cavalo para chegar à Argentina e teve que atravessar o Rio Curringue a nado. O poeta se refugiou na Europa, no México e, por fim, na União Soviética.
Em 1950, Neruda publicou Canto Geral, obra monumental que aborda a história da América Latina a partir da perspectiva dos povos explorados, considerada pelo próprio autor como seu principal trabalho. Destacaram-se também nesse período as obras Os Versos do Capitão (1952), As Uvas e o Vento e Odes Elementares (1954).
O retorno ao Chile e o Prêmio Nobel
Em 1952, após o restabelecimento das liberdades civis, Neruda retornou ao Chile, passando a viver na chamada “Casa de Isla Negra”, em El Quisco. Em 1953, construiu sua residência em Santiago, apelidada de “La Chascona”. Mandou erguer ainda uma terceira casa no país, “La Sebastiana”, em Valparaíso. Os três imóveis servem hoje como museus biográficos em sua homenagem.
Ainda em 1953, Neruda foi agraciado pelo governo soviético com o Prêmio Stalin da Paz. Dois anos depois, em 1955, ele se separou de Delia de Carril e passou a viver com sua última esposa, a cantora Matilde Urrutia.
Em 1958, Neruda publicou Estravagario, obra que destoa de seu estilo pelo uso intenso da ironia e do humor.
Não tardou, entretanto, a retomar a ênfase no romance e na vida cotidiana (Cem Sonetos de Amor, 1959; Memorial de Isla Negra, 1964) e o compromisso com a crítica política e social (La espada encendida, 1970). Em 1965, recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Oxford, no Reino Unido.
Neruda foi laureado com o Prêmio Nobel de Literatura em 1971. Ele foi o segundo chileno a obter a honraria, precedido por Gabriela Mistral, agraciada em 1945. Na justificativa do prêmio, a Academia Sueca destacou que Neruda faz uma poesia que “com a ação de uma força elementar, dá vida ao destino e aos sonhos de todo um continente”.
No Chile, o prêmio foi motivo de orgulho nacional e inúmeras homenagens públicas a Neruda foram organizadas. O poeta, no entanto, também sofria muitos ataques. Ele foi alvo de uma intensa campanha difamatória conduzida pelo Congresso para a Liberdade Cultural, uma organização anticomunista operada pela CIA.
Apoio a Allende
Neruda foi indicado como candidato do Partido Comunista à eleição presidencial de 1970. O escritor, no entanto, decidiu retirar sua candidatura para apoiar o socialista Salvador Allende, integrando a coligação da Unidade Popular. Neruda participou de vários atos de campanha. Em uma ocasião, chegou a declamar seus poemas para um público de 70 mil pessoas reunidas no Estádio Nacional.
Após a vitória do líder socialista, Neruda foi nomeado como embaixador do Chile na França. Ele ajudou a renegociar a dívida externa chilena e usou de sua influência nos meios intelectuais para angariar apoio às reformas socialistas.
O poeta foi uma das personalidades mais ativas na defesa do governo de Allende e na denúncia dos intentos golpistas da oposição. Diagnosticado com um câncer de próstata, Neruda ficou profundamente abalado após a deposição de Allende no golpe militar de 1973, liderado pelo general Augusto Pinochet e apoiado pelo governo dos Estados Unidos.
A morte de Neruda
Pablo Neruda faleceu 12 dias após o golpe militar, em 23 de setembro de 1973, aos 69 anos. Após sua morte, os militares chilenos invadiram e saquearam sua residência em Santiago e seus livros foram queimados em praça pública.
O funeral de Neruda contou com a presença de inúmeros membros do Partido Comunista, que seguiram o cortejo fúnebre entoando os versos de A Internacional. Ao fim da cerimônia, vários participantes foram detidos e muitos acabaram se somando à lista de mortos e desaparecidos do regime.
Por décadas, a morte de Neruda foi objeto de controvérsia e polêmica. Isabel Allende afirmava que Neruda teria “morrido de tristeza” após o golpe de Pinochet. Em 2011, entretanto, Manuel Araya Osorio, ex-assessor do poeta, deu uma entrevista sustentando que Neruda teria sido assassinado por agentes da ditadura militar com uma injeção letal, aplicada na Clínica Santa María.
Essa mesma clínica foi acusada de assassinar o ex-presidente chileno Eduardo Frei Montalva, supostamente acobertando a ação com um falso diagnóstico de morte em decorrência de complicações de uma hérnia. Em 2015, o governo do Chile emitiu declaração admitindo que Neruda poderia ter sido assassinado pela ditadura militar, uma vez que não foram executados procedimentos médicos que permitissem confirmar a causa da morte à época.
Em 2023, uma análise forense realizada por um grupo de legistas canadenses, dinamarqueses e chilenos detectou altos níveis de substâncias químicas letais na ossada do poeta, reforçando a hipótese de que Neruda foi envenenado. Uma nova investigação sobre a causa da morte está em andamento desde 2024.
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Leia também "Os teus pés", poema de Pablo Neruda https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/09/palavra-de-poeta_13.html
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