Reforma do Conselho de Segurança da ONU: adaptação às demandas globais
O Conselho de Segurança das Nações Unidas, estabelecido em 1945 após os horrores da Segunda Guerra Mundial, emergiu como uma instituição central na promoção da estabilidade e paz internacionais. Composto por cinco membros permanentes - Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, França e China - e dez membros não permanentes, o Conselho foi encarregado da responsabilidade vital de zelar pela paz e segurança globais. No entanto, ao longo dos anos, a estrutura do Conselho tem sido desafiada pela evolução do cenário geopolítico e pelas demandas emergentes do século XXI.
À medida que avançamos, o Conselho de Segurança enfrenta uma série de desafios que destacam a inadequação de seu modelo atual. A ascensão de novos atores globais, incluindo economias emergentes e potências regionais, tem ampliado a disparidade entre a composição do Conselho e a distribuição real do poder. Países com influência significativa, mas não representados permanentemente, sentem-se sub-representados no órgão de decisão mais importante da ONU.
Além disso, a natureza dinâmica das ameaças à paz e à segurança internacional exigiu uma resposta mais ágil e flexível do Conselho. Questões como terrorismo, mudança climática, pandemias e conflitos internos demandam abordagens multifacetadas e soluções inovadoras, muitas vezes impossíveis dentro do atual quadro institucional do Conselho de Segurança. Por exemplo, a crise climática, que está se tornando cada vez mais urgente, requer a cooperação internacional em níveis sem precedentes, no entanto, o Conselho, com sua estrutura rígida, muitas vezes lutou para oferecer respostas eficazes e abrangentes a essas ameaças, sem obter sucesso.
Desde 1945, os membros permanentes do Conselho de Segurança usaram o veto mais de 200 vezes, com a Rússia e os Estados Unidos sendo os países que mais recorreram a esse mecanismo. Embora o poder de veto dos membros permanentes tenha sido concebido como um mecanismo para evitar ações unilaterais que poderiam comprometer a estabilidade global, o uso do veto de forma unilateral, muitas vezes paralisou o Conselho e impediu a adoção de medidas necessárias para proteger civis em situações de crise, como observado em conflitos na Síria, Ucrânia, Sudão do Sul e Gaza. Nesses casos, o impasse resultante do uso do veto levou a um prolongamento do conflito e ao sofrimento contínuo da população civil.
Diante desses desafios, várias propostas de reforma foram apresentadas ao longo dos anos. Uma das sugestões mais comuns é a expansão do Conselho de Segurança para incluir novos membros permanentes e não permanentes, a fim de refletir melhor a diversidade e a distribuição do poder global. Essa expansão poderia incluir países importantes geopoliticamente, como Brasil, Índia, Japão, Alemanha e África do Sul, como membros permanentes, além de aumentar o número de membros não permanentes para garantir uma representação mais equitativa de todas as regiões do mundo.
No entanto, a implementação dessas mudanças enfrenta desafios significativos, incluindo a necessidade de consenso entre os membros existentes e a possível resistência de estados que temem uma diluição de seu próprio poder. Ban Ki-moon, ex-secretário-geral da ONU, afirmou: "A reforma do Conselho de Segurança é uma necessidade urgente. A representatividade é fundamental para a legitimidade e eficácia da ONU”. Segundo um relatório do International Peace Institute, "A inclusão de novas potências emergentes no Conselho de Segurança poderia trazer uma perspectiva mais global e melhorar a velocidade de resposta às crises contemporâneas."
Além da questão da representação, há um crescente consenso sobre a necessidade de reformar os procedimentos e métodos de trabalho do atual Conselho, isso incluiria tornar o processo decisório mais transparente e inclusivo, envolvendo mais ativamente países não membros e organizações da sociedade civil em discussões e deliberações do Conselho. Também é essencial fortalecer a cooperação entre o Conselho de Segurança e outras agências e órgãos da própria ONU, bem como com organizações regionais e não governamentais, para abordar os fatores subjacentes aos conflitos e promover uma paz mais duradoura. Por exemplo, a cooperação estreita com agências de ajuda humanitária pode garantir uma resposta mais coordenada e eficaz às crises humanitárias resultantes de conflitos armados.
Apesar do consenso sobre a necessidade de reforma, a questão em si permanece altamente controversa e politicamente sensível, os interesses divergentes dos membros permanentes, juntamente com a relutância de alguns Estados-membros em renunciar a privilégios e prerrogativas há décadas estabelecidas, têm dificultado o progresso e postergado indefinidamente uma solução. No entanto, a inação não é uma opção diante dos desafios urgentes que enfrentamos como comunidade global. É essencial que os Estados-membros trabalhem em conjunto para superar suas diferenças e encontrar soluções que fortaleçam a capacidade do Conselho de Segurança de cumprir sua missão fundamental de manter a paz e a segurança internacionais, como veremos na proposta de reformulação a seguir:
• Proposta para um Novo Conselho de Segurança da ONU
Composição do Conselho:
1. Membros Permanentes:
- Expansão para incluir novas potências emergentes: Brasil, Índia, Japão, Alemanha e África do Sul.
- Os membros permanentes atuais: Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, França e China permanecem.
2. Membros Não Permanentes:
- Aumento do número de membros não permanentes de 10 para 15, totalizando 20 membros não permanentes.
- Distribuição regional equitativa para garantir representação global.
Processo de Votação:
1. Resoluções:
- As resoluções do Conselho de Segurança exigem a aprovação de pelo menos dois terços dos membros (20 dos 30 membros).
- As resoluções devem ter a maioria dos votos de cada grupo de membros: pelo menos 5 dos 10 membros permanentes e 10 dos 20 membros não permanentes.
2. Voto de Veto:
- Os membros permanentes mantêm o poder de veto, mas com algumas modificações:
- Para que um veto seja válido, deve ser apoiado por pelo menos dois membros permanentes.
- Um único membro permanente não pode vetar uma resolução sozinho; deve haver consenso entre pelo menos dois membros para vetar.
- Um membro permanente que deseja vetar uma resolução deve fornecer uma justificativa por escrito, que será discutida publicamente antes da votação.
3. Votação de Emergência:
- Em casos de emergências globais (como crises humanitárias, genocídios ou desastres naturais de grande escala), uma votação de emergência pode ser convocada.
- Para aprovar uma resolução de emergência, é necessário um apoio de três quartos dos membros (23 dos 30 membros).
- Nestes casos, o veto dos membros permanentes requer consenso de três membros permanentes para ser válido.
Participação e Transparência:
1. Inclusão de Países Não Membros:
- Os países diretamente afetados pelas questões discutidas devem ter o direito de participar das deliberações, mesmo que sem direito a voto.
- Organizações da sociedade civil e regionais relevantes devem ser convidadas para fornecer informações e perspectivas durante as deliberações.
2. Transparência:
- Todas as sessões do Conselho de Segurança devem ser transmitidas ao vivo e gravadas, exceto em casos de segurança nacional altamente sensíveis.
- As justificativas para vetos e abstenções devem ser publicadas juntamente com as resoluções e atas das reuniões.
3. Comitês Especializados:
- Criação de comitês especializados para questões específicas (por exemplo, mudança climática, terrorismo, pandemias), compostos por especialistas e representantes de países afetados.
- Os comitês devem fornecer recomendações e relatórios detalhados ao Conselho de Segurança para apoiar a tomada de decisões informadas.
Fortalecimento da Cooperação:
1. Cooperação com Outras Agências da ONU:
- Fortalecer a colaboração com outras agências da ONU (como o UNHCR, OMS, UNICEF) para garantir uma resposta coordenada e abrangente às crises.
- As agências da ONU devem ter assentos consultivos no Conselho de Segurança para oferecer propostas e atualizações sobre suas áreas de especialização.
2. Parcerias Regionais:
- Incentivar a cooperação com organizações regionais (como a União Africana, União Europeia, Mercosul, ASEAN) para abordar conflitos e crises regionais de maneira mais eficaz.
- Representantes dessas organizações regionais devem participar das deliberações do Conselho quando questões regionais estiverem em pauta.
Implementação e Avaliação:
1. Fase Piloto:
- Implementar as mudanças propostas em uma fase piloto de 2 anos para avaliar sua eficácia e identificar áreas de melhoria.
- Realizar revisões trimestrais durante a fase piloto para ajustar os procedimentos conforme necessário.
2. Avaliação Contínua:
- Estabelecer um comitê independente de avaliação composto por acadêmicos, ex-diplomatas e representantes de ONGs para monitorar e avaliar o desempenho do novo Conselho de Segurança.
- Publicar relatórios anuais sobre a eficácia, transparência e representatividade do Conselho reformado.
A grande maioria dos países tem convicção de que a reforma do Conselho de Segurança da ONU é essencial para fortalecer a governança global e enfrentar os desafios emergentes do novo século. Ao expandir sua representação, reformar seus métodos de trabalho e ampliar sua agenda para abordar questões emergentes, o Conselho poderá desempenhar um papel crucial na promoção da paz, da estabilidade e do desenvolvimento sustentável em todo o planeta.
No entanto, alcançar esses objetivos exigirá um compromisso renovado e uma colaboração construtiva entre os estados-membros, essa tarefa é um desafio complexo e multifacetado, mas também é uma oportunidade única para fortalecer a governança global e construir um mundo mais seguro, justo e pacífico para as gerações futuras. Com determinação e cooperação internacional, podemos moldar as Nações Unidas como um verdadeiro baluarte da paz entre as nações.
*Advogado, ex-secretário executivo de Direitos Humanos de Pernambuco
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