30 julho 2024

Conflitos nas Olimpíadas

Geopolítica dos novos Jogos Olímpicos
Com trens sabotados em toda a França, Paris abre o megaevento esportivo. Conflitos internacionais e questões de segurança marcam o início das competições. Guerra na Ucrânia, exclusão da Rússia e massacre em Gaza são centrais
Carta Capital     

Os olhos do mundo do esporte se voltam para Paris nas próximas duas semanas. E esta edição dos Jogos Olímpicos, que tem abertura oficial nesta sexta-feira 26, pode se tornar uma das mais marcadas da história por manifestações políticas.

As disputas já estão em andamento desde quarta-feira 24, quando começaram as competições do futebol masculino e do rugby, antes mesmo da cerimônia de abertura. O megaevento, porém, já é alvo de resistência desde a escolha da França como sede.

Manifestações por todo o mundo deixam claro que as Olimpíadas não são apenas um palco esportivo, mas também um espaço significativo para questões políticas globais. 

Em entrevista a revista Time, o especialista internacional em política esportiva Jules Boykoff afirmou que os Jogos de Paris podem ser “as Olimpíadas mais politicamente carregadas em décadas”.

A filosofia dos Jogos Olímpicos, que promove a união entre os povos e pede uma trégua nos conflitos internacionais durante as competições, sempre manteve a política presente no evento.

A situação política internacional atual é complexa, com conflitos de grande apelo internacional, como a situação da Ucrânia, invadida pela Rússia em fevereiro de 2022; e o ataque de Israel a territórios palestinos em resposta à ação do Hamas em outubro de 2023.

Ucrânia e Rússia

A invasão russa à Ucrânia e a guerra na Faixa de Gaza figuram como preocupações centrais que podem motivar manifestações durante esta edição.

Com a Rússia banida dos jogos, apenas alguns atletas foram admitidos, sob a condição de não terem expressado apoio ao governo de Vladimir Putin. Belarus, aliada da Rússia, também foi excluída da competição.

Esses atletas participarão sob uma bandeira especial e a designação de “atletas individuais neutros”. Além disso, foi instituído um hino específico para ser tocado durante as cerimônias e premiações desses atletas.

A presidente da Federação Russa de Ginástica Rítmica, Irina Viner, criticou a escolha da melodia do hino, comparando-a a uma “marcha fúnebre” e descreveu a participação sem hino e sem bandeira como “humilhante”. 

Moscou acusou o Comitê Olímpico Internacional (COI) de “destruir as ideias do espírito olímpico”.

Desde 2018, os atletas russos competem sob sanções, inicialmente impostas devido a um escândalo de doping. Nas Olimpíadas de 2018, 2020 e 2022 (ou seja, incluindo os Jogos de Inverno), competiram com o emblema olímpico e foram designados como “Atletas Olímpicos da Rússia” ou “atletas do Comitê Olímpico da Rússia”.

Em 2022, medalhistas russos subiram ao pódio ao som de um concerto de Tchaikovsky, representados pela bandeira do Comitê Olímpico Nacional.

A comentar a decisão, o Ministério das Relações Exteriores da Rússia acusou o COI de “racismo e neonazismo” devido às regras de neutralidade impostas aos atletas olímpicos russos e às possíveis sanções para os atletas.

Maria Zakharova, porta-voz do ministério, afirmou que a decisão do COI “demonstra até que ponto o comitê se afastou dos seus princípios declarados”.

Ainda antes do início dos jogos, o COI fez uma forte nota criticando a Rússia, que promete realizar os Jogos da Amizade logo depois da Olimpíada.

O comitê pediu aos governos que “rejeitem qualquer participação e apoio” à iniciativa russa, acusando Moscou de lançar uma “ofensiva diplomática muito intensa”, o que constitui uma “violação flagrante da Carta Olímpica e das resoluções da ONU”.

O COI expressou preocupação de que os atletas possam ser “forçados por seus governos a participar dos Jogos da Amizade” e serem “explorados como parte de uma campanha de propaganda política”.

A resposta da Rússia foi crítica, reiterando que as sanções do COI se baseiam em critérios específicos que o país alega não ter desrespeitado.

Israel e Palestina

Em meio às tensões persistentes entre Israel e o Hamas, o ministro do Interior da França, Gérald Darmanin, anunciou que os atletas israelenses receberão proteção 24 horas por dia durante as Olimpíadas de 2024 em Paris.

A decisão foi tomada após declarações controversas de um parlamentar francês, que afirmou que a delegação de Israel não era bem-vinda no evento.

Além disso, alguns parlamentares franceses pressionaram o presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), Thomas Bach, a aplicar o mesmo tratamento dispensado a Rússia e Belarus a Israel.

Poucas horas antes de embarcarem para Paris, 15 atletas israelenses e suas equipes receberam ameaças de morte por e-mail, afirmando que seriam assassinados ao chegarem à França.

De acordo com o jornal The Jerusalem Post, muitos desses atletas também receberam ligações de números estrangeiros.

A presidente do Comitê Olímpico de Israel, Yael Arad, afirmou: “Estávamos cientes de que essas ameaças poderiam ocorrer. Nos preparamos para isso. Orientamos nossos atletas sobre como proceder diante dessas situações e realizamos muitas conversas e reuniões para discutir o assunto.”

A ameaça à segurança dos atletas israelenses, contudo, não é um fenômeno novo.

Durante os Jogos de Munique, em 1972, 11 atletas e treinadores israelenses foram mortos por militantes em prol da causa palestina na Vila Olímpica, em um episódio que marcou tragicamente a história do esporte e da diplomacia internacional.

A delegação israelense em Paris será composta por 88 atletas. Também paira a preocupação sobre como eles serão recebidos pelos demais competidores.

Recentemente, o time feminino de basquete da Irlanda recusou o aperto de mão habitual com suas adversárias israelenses em uma eliminatória do campeonato europeu, em fevereiro.

Atletas palestinos

Embora Israel não tenha anexado a Faixa de Gaza, seus militares destruíram boa parte da estrutura esportiva da região.

O Estádio Yarmouk, em Gaza, teria sido convertido pelos militares israelenses em um espaço para manter detidos palestinos, uma medida que a Associação Palestina de Futebol denunciou como uma “clara violação da Carta Olímpica”.

No fim de maio, o Comitê Olímpico Palestino estimou que 300 atletas do país foram mortos desde 7 de outubro.

Os Jogos Olímpicos de Paris devem receber entre seis e oito atletas palestinos, entre classificados e convidados, segundo o chefe do Comitê Olímpico Internacional, Thomas Bach.

Há mais de um século

A interseção entre esporte e política e nas Olimpíadas é muito antiga. Já em 1912, nos Jogos de Estocolmo, o corredor finlandês Hannes Kolehmainen protestou durante a cerimônia de entrega de medalhas.

Kolehmainen, que conquistou três medalhas de ouro naquela edição, ficou frustrado ao ver a bandeira russa hasteada em sua homenagem, já que na época a Finlândia fazia parte do Império Russo. Os finlandeses só conquistaram a independência em 1917.

“Preferia ter perdido a ver aquela bandeira no alto”, chegou a afirmar Kolehmainen. Desde então, conflitos e tensões internacionais frequentemente têm reflexos nos Jogos Olímpicos.

Jesse Owens cala Hitler

Em uma das histórias mais marcantes da história do esporte, o atleta negro Jesse Owens, dos Estados Unidos, calou ninguém menos que Adolf Hitler, nos jogos de Berlim, em 1936. 

O próprio site oficial dos Jogos Olímpicos resume Berlim 1396 como os Jogos que “são mais lembrados por Hitler ter falhado ao tentar usar as Olimpíadas para provar suas teorias sobre a superioridade racial ariana. O herói daqueles Jogos foi o afro-americano corredor e saltador Jesse Owens, que ganhou quatro medalhas de ouro, nos 100 metros, 200 metros, revezamento 4 por 100 e salto em distância”.

Boicotes

A história olímpica é marcada, também, por boicotes. Em 1976, o primeiro deles a envolver dezenas de países foi uma resposta a pressões de países africanas pelo banimento da Nova Zelândia. O pedido aconteceu depois que a seleção neozelandesa de rugby viajou à África do Sul em meio ao regime do apartheid – àquela altura os sul-africanos estavam excluídos do cenário esportivo internacional justamente pelo regime de segregação racial.

Quatro anos mais tarde, em 1980, houve o maior boicote da história dos Jogos. Em meio à guerra fria, mais de sessenta países seguiram a decisão dos Estados Unidos e não enviaram atletas para as disputas, que aconteceram em Moscou, na então União Soviética. A resposta veio na edição seguinte, em 1984, quando quinze países acompanharam os soviéticos em boicote aos jogos de Los Angeles.

Tóquio 2020

Em tempos mais recentes, já nas Olimpíadas de Tóquio 2020 (disputadas em 2021 por causa da pandemia de covid-19), o Comitê Olímpico Internacional (COI) permitiu, pela primeira vez, que atletas se manifestassem politicamente durante o evento, em resposta à pressão de movimentos como o ‘Black Lives Matter’ nas grandes ligas dos Estados Unidos em 2020.

A abertura do COI, porém, não foi irrestrita. O comitê permitiu que atletas e demais participantes se expressem apenas antes ou depois das provas. O aval também é garantido em entrevistas à imprensa, em reuniões de equipe e nas redes sociais.

Continua proibido se manifestar durante as cerimônias de abertura e encerramento ou durante a entrega de medalhas nos pódios.

Já na primeira rodada da disputa do futebol feminino, por exemplo, jogadoras das seleções de futebol feminino do Chile, EUA, Grã-Bretanha, Nova Zelândia e Suécia se ajoelharam em protesto antirracista. O mesmo gesto foi visto ao longo de toda a competição.

Leia também: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/07/minha-opiniao-luzes-de-paris.html

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