O desafio de rever a política monetária
Há uma discussão internacional sobre o tema, sobre a influência das chamadas políticas de austeridade no desenvolvimento das economias.
Luis Nassif/Jornal GGN
Uma grande contribuição da academia, e dos setores técnicos do governo, ao debate econômico seria a constituição de um grupo de especialistas para estudar uma alternativa à política de metas inflacionárias – principal instrumento da política monetária do Banco Central. Está havendo uma discussão internacional sobre o tema, sobre a influência das chamadas políticas de austeridade no desenvolvimento das economias.
É um jogo profundamente ilógico mas que, por força da ideologia de mercado, é aceito até por suas vítimas: os empresários do setor real da economia.
Trata-se do seguinte:
Define-se que o foco único da política monetária é o combate à inflação. A grande arma é a política monetária e o manejo da taxa básica de juros. Atribui-se a inflação ao déficit público.
O déficit público é composto por dois componentes: os gastos primários e os juros da dívida pública.
Em junho, o resultado primário foi deficitário em R$ 40,9 bilhões. Em 12 meses, o déficit foi de R$ 272,2 bilhões. Já os juros da dívida pública em 12 meses alcançaram R$ 835,7 bilhões. Ou seja, todo o déficit primário equivale a 0,5 ponto da taxa Selic.
O que o mercado-mídia faz? A taxa Selic impacta a dívida pública. O aumento da dívida pública sempre é tratada como descontrole fiscal – mesmo que seja provocada pela política monetária. Aí, pede-se mais juros para combater a “gastança” o que, por sua vez, provoca mais pressão sobre o déficit e mais pressão sobre os gastos públicos. E a redução dos investimentos públicos afeta diretamente o crescimento.
Mais que isso. O ajuste juros x inflação se dá através da taxa de câmbio. Mais juros atraem mais dólares. Com isso há uma valorização do real que reduz os preços dos exportados e importados em reais.
Ocorre que a estabilidade do câmbio é fator essencial para atrair investimento externo na atividade real. A taxa de retorno do investimento real é uma combinação da taxa de retorno em reais, convertida em dólares pela cotação do dia da remessa de lucros. A instabilidade do dólar afasta, então, o investimento produtivo, beneficiando exclusivamente o chamado capital-gafanhoto – que entra, morde, acaba com a grama e sai.
Há várias políticas monetárias alternativas que os bancos centrais podem adotar.
1. **Targeting Nominal GDP (Produto Interno Bruto Nominal)**:
– Em vez de focar apenas na inflação, o banco central visa o crescimento do PIB nominal, que inclui tanto o crescimento real da economia quanto a inflação, equilibrando os objetivos de crescimento e controle da inflação.
2. **Anchor Monetary Policy to a Commodity (Currency Pegging)**:
– Algumas economias optam por ancorar sua moeda a outra moeda forte ou a uma cesta de commodities, como ouro ou petróleo. Isso pode trazer estabilidade à economia, mas limita a flexibilidade da política monetária interna, uma vez que as taxas de juros e outras políticas precisam ser ajustadas para manter a paridade com a âncora escolhida.
3. **Política de Regras Fixas (Fixed Rule Policy)**:
– O banco central segue uma regra fixa, como a Regra de Taylor, que vincula a taxa de juros a variações na inflação e no PIB.
4. **Controle Direto de Preços e Salários (Wage and Price Controls)**:
– Em vez de ajustar a oferta de moeda, o governo impõe controles diretos sobre preços e salários para combater a inflação. Essa abordagem foi usada em várias ocasiões no passado, mas é geralmente vista como ineficaz a longo prazo e pode levar a distorções econômicas.
5. **Política Monetária Baseada em Taxas de Juro Negativas**:
– Alguns bancos centrais experimentaram taxas de juros negativas para estimular o gasto e o investimento durante períodos de baixa inflação ou deflação. Ao cobrar juros sobre os depósitos bancários, os bancos são incentivados a emprestar mais, estimulando a economia.
6. **Regime de Alvos de Nível de Preços (Price Level Targeting)**:
– Em vez de focar na taxa de inflação, o banco central visa um nível específico de preços ao longo do tempo. Isso implica que qualquer desvio da meta de inflação deve ser compensado por movimentos opostos subsequentes na inflação.
Não apenas isso. Há diversos instrumentos para regular a liquidez da economia. Como, por exemplo, a definição das reservas bancárias – os depósitos que os bancos comerciais precisam fazer, como percentual de seus depósitos à vista -, a taxa de redesconto, remuneração das reservas bancárias, enfim, todo um instrumental para evitar impactos da política monetária sobre a dívida pública e sobre o crédito privado.
O IPEA (Instituto Pesquisa Econômica Aplicada), o próprio Banco Central e a Fazenda possuem quadros técnicos variados e de respeito. É hora de se juntarem à academia para começar a pensar uma política alternativa à das metas inflacionárias.
Leia também: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2023/07/barreiras-neoliberais.html
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