Clériston, um cartunista sob a ditadura
Meus amigos, posso dizer agora que entrevistar Clériston foi mais difícil que entrevistar Gilberto Gil, quando o genial músico era Ministro da Cultura
Urariano Mota*/Vermelho
Resolvi entrevistar Clériston depois de ver seu vídeo no Instagram.
Clériston é segundo ele próprio: “Em 1976 me chamaram de comunista: numa charge pro Diário de Pernambuco fiz um pobre com uma teia de aranha na boca. Eu sou artista plástico por fruição, chargista por vocação”.
Eu já conhecia Clériston dos seus desenhos e charges publicados no Diário de Pernambuco. Ele foi, é mais um resistente das artes contra o fascismo.
Despertado pelo seu post no Instagram, resolvi pedir uma entrevista a Cleriston. Ele concordou e fomos para a ação, depois de uma longuíssima espera. Toda a quinta-feira de ontem, somente. Num dos inesperados intervalos da entrevista, ele esqueceu do que havíamos acertado, mas se desculpou, porque havia ido ver o Jornal da noite na televisão. Aceitei agradecido, é claro. O que a gente não faz por uma entrevista!
Meus amigos, posso dizer agora que entrevistar Clériston foi mais difícil que entrevistar Gilberto Gil, quando o genial músico era Ministro da Cultura. Mas valeu a espera. nos dois casos.
Esta foi a nossa entrevista:
Cléridston, apresente-se por favor para os leitores de novas gerações e de fora de Pernambuco;
– Meu nome é Clériston, tenho 71 anos de idade. Sou artista visual desde criança, e me profissionalizei aos 23 anos, ao ingressar em jornais para fazer charges. Era 1976 e o País estava mergulhado compulsoriamente em uma ditadura.
O que o cartunista e chargista Clériston fazia nos jornais? Em que anos da ditadura?
– Antes de estrear na Grande Imprensa, eu andava com uns cinquenta cartuns e charges em uma bolsa de couro, e colaborava com sindicatos e padres engajados em legalização da moradia. Inspirado nos chargistas mais antigos como Appe, Borjalo, Ziraldo, Jaguar e Henfil, eu não via a hora de desenhar para o grande público e lutar pela liberdade de expressão e opinião – na época controladas pelos órgãos de segurança e o poder judiciário.
Alguns fatos que você presenciou na redação do Diário de Pernambuco e quando.
– Fiquei no Diário de Pernambuco de 1976 até 1988, vivenciando os últimos 10 anos de governo militar, sem eleições nem liberdade de reunião.
Que tipo de censura sofreu?
– Sofri mais a “autocensura” do próprio jornal, e por duas ocasiões fui “convidado” por telegrama a comparecer à sede da Polícia Federal e à PM, para prestar esclarecimentos ao Comandante da Polícia Militar. Um Coronel na presidência do DETRAN havia pedido “providências enérgicas” contra os chargistas do Diário – eu e Sávio Araújo – por “denegrir a imagem das Forças Armadas” de forma “orquestrada”. Ridículos!!
Você soube de crimes contra prisioneiros e perseguidos na época? Soube até fora dos jornais, por exemplo?
– Nós nem quase ninguém sabíamos sobre luta armada, sobre prisões e desaparecimentos ou a prática da tortura – a não ser de forma genética ou rumores. Mas, ainda nos anos 1970, jornais da chamada Imprensa alternativa como O Pasquim, Opinião, Movimento, Voz Operária, Versus, dentre outros, desafiaram o governo e publicaram charges, reportagens, poemas e entrevistas memoráveis e denúncias sobre os desaparecimentos, torturas e mortes.
Fale sobre outros cartunistas da época, como Ral e Bione.
– Na época havia uma dezena de cartunistas e alguns quadrinistas que tentavam publicar onde fosse possível. Ral era nosso decano, pois já era colaborador do Pasquim antes de conhecê-lo pessoalmente. Com Paulo Santos e Bione criaram o Papa-Figo e atuavam numa linha mais anárquica, atacando figurões da Sociedade. Eles duvidaram que o Diário de Pernambuco fosse capaz de publicar charges. Depois, alguns nos “patrulharam” afirmando que daríamos “ares democráticos” a um jornal conservador, representante dos canavieiros. Logo depois nos unimos todos como humoristas gráficos contra toda forma de repressão. Eu e Lailson publicávamos diariamente no Diário de Pernambuco e colaborávamos com o Papa-Figo e todo o tipo de pequenos jornais e revistas.
O que o artista Clériston faz hoje?
– Enfim, juntos com amplas forças democráticas derrotamos a ditadura, passamos a votar para os poderes legislativo e judiciário e no momento lutamos para que a extrema direita – agora apoiados por religiosos fundamentalistas – não imponham sua moral e seus preconceitos sobre nós. Após 30 anos militando na imprensa e como professor de Comunicação Social da Unicap, UFPE e Unifavip, passando por foco na criação de bandas e músicas autorais, eis-me aqui – desde 2022 – como Artista Plástico. Acordo e durmo como pintor. Já estou legitimado socialmente e pretendo ter influência marcante neste cenário. Primeiro o Recife, depois o Mundo hahaha. A luta continua!!
*Jornalista, escritor
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