Ziraldo, o meninão malucão que revolucionou as artes gráficas brasileiras
Enio Lins
Ziraldo se foi há sete dias, aos 92 anos incompletos, vividos com intensidade e produtividade incomuns. Publicou seu primeiro trabalho aos seis anos, em 1939 – um desenho no jornal Folha de Minas. Nesse mesmo periódico retomou o jornalismo gráfico como profissional, em 1950, e dali ganhou o mundo. Tornou-se carioca como nem os nativos conseguem ser, sem deixar de ser mineiro, e não parou até 6 de abril de 2024.
ABUSO DE TALENTO
No mundo gráfico em que ele se firmou, estava em alta o minimalismo, cuja maior referência era Saul Steinberg, judeu romeno que se refugiara nos Estados Unidos fugindo do nazismo. No Brasil, Appe, Millôr e Jaguar – só para citar três ícones dos anos 50/60– arrasavam com traços mínimos. Quando quis, o mineiro economizou tinta. E, quando quis, derramou-se em exuberâncias barrocas, expressionistas, cubistas...
TRAÇO PERSONALÍSSIMO
No desenho de humor ele criou um estilo inconfundível, unificando em curva nariz-e-testa nos personagens aleatórios, e cravou seu famoso sapato “ferro de engomar” em pés enormes. Traço sempre firme, “intremível”, tipo régua e compasso. Doutor tanto em cores como no preto-e-branco, ainda criou uma cor imaginária: Flicts. Usou poucas linhas finas. Foi farto na literatura, especialmente dedicado ao público infanto-juvenil.
NACIONALISMO
Operou um salto na brasilidade nos quadrinhos com o gibi “Turma do Pererê”, alçando o Saci ao posto de primeiro herói nacional HQ de pele preta. Nessa antológica revista foram agitadas ideias que só seriam tendências meio século depois. Em 1958, ele criou esse cenário, conferindo protagonismo às comunidades originárias (índios), aos discriminados étnicos (negros e pardos), às mulheres, e defendendo a preservação da Natureza (com animais nativos no elenco). A publicação circulou de 1959 a 1976.
PERSONAGENS MEMORÁVEIS
Foi um dos mais profícuos criadores de personagens no Brasil. De seu lápis brotaram The Supermãe; Jeremias, o bom; Mineirinho, o come-quieto; Menino Maluquinho; Professora Muito Maluquinha; Joelho Juvenal; Bichinho da Maçã; Flicts... Inventou mais de uma dúzia de viventes só na Turma do Pererê, sem contar Saci, o líder: Tininim, curumim da tribo “Parakatoka”; Galileu, onça pintada; Compadre Tonico e Seu Neném, caçadores; Geraldinho, coelho vermelho; Moacir, jabuti; Alan, macaco calmo e gentil; Pedro Vieira, tatu pensador; Professor Nogueira, coruja intelectual; Boneca de Piche, namorada do Pererê; Tuiuiú, uma cunh&at ilde; moderna...
E, NA NOITE...
Quando as experiências murais de Portinari eram exceção, nem eram seguidos os muralistas mexicanos (Rivera, Siqueiros, Orozco, Tamayo...), e sequer tinham nascido grafiteiros como Kobra e Osgêmeos, Ziraldo concebeu em 1967 o magistral Mural do Canecão – na época, a casa noturna mais famosa do Brasil, palco de shows memoráveis. Provocativamente, entre as cenas etílicas, ele exibiu ali sua inspiração na Santa Ceia, colocando Jeremias (O Bom), no centro de um time de pândegos. Uma ode à boemia. Representando a ebulição notívaga carioca dos anos 60, o painel tinha 32 metros de largura por seis metros de altura. Deveria ter sido tombado pelo IPHAN!
Enfim, resumindo: Viva, Viva Ziraldo!!!
"Pelas janelas minúsculas contemplamos a imensidão do Índico: nós e o mar, imenso mar a perder de vista" https://bit.ly/3U0y5Rw
Nenhum comentário:
Postar um comentário