Prevenção efetiva: a necessidade de um salto de qualidade no combate à violência contra a mulher
Em 2023, tivemos o maior número de feminicídios já registrado no Brasil. É necessário agir para modificar as estruturas que toleram a violência de gênero
Moara Lim/Le Monde Diplomatique
A cada seis horas, uma mulher é vítima de feminicídio no Brasil. A cada seis minutos, uma mulher ou menina é vítima de violência sexual. Em um único dia, 113 mulheres são vítimas de importunação sexual. Em 2023, segundo levantamento do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024, tivemos o maior número de feminicídios já registrado no Brasil (1.467). Em 2024, a tendência segue no mesmo ritmo: segundo levantamento feito pelo Laboratório de Estudos de Feminicídios (LESFEM), até 31 de julho de 2024, já tinham sido registrados 1.061 casos consumados.
Já não é mais possível argumentar que os números sobem apenas em função da diminuição da subnotificação. Enxergar dessa forma, sem levar em conta o crescimento de movimentos que promovem e enaltecem condutas misóginas e de violência contra a mulher, prejudica o rastreamento das raízes da violência e pode levar ao planejamento equivocado de políticas públicas. A escalada dos números de feminicídios deve colocar todo o poder público e a sociedade em alerta.
Dentro da série histórica que apura os números de feminicídios consumados no país (2016 – 2023), um total de 10.655 mulheres foram assassinadas por serem mulheres. Nesse ponto, é importante entender a seguinte diferenciação; o feminicídio foi tipificado em 2015 e se caracteriza quando o assassinato da mulher é cometido em razão da condição de sexo feminino. A lei penal entende que o crime é cometido em função da “condição feminina” e se caracteriza nos casos em que decorre de violência doméstica/familiar ou quando há menosprezo ou discriminação contra a condição de mulher. Ou seja, existem assassinatos de mulheres que não são enquadrados como feminicídio.
Mas a violência contra as mulheres vai além dos crimes de feminicídio, essas violências crescem e se manifestam em diferentes esferas e camadas da sua existência. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, no ano de 2023 também foram registradas altas em crimes relacionados à segurança e ao bem-estar da mulher, tais como os crimes de importunação sexual (+48,7%), assédio sexual (+28,5%), agressões decorrentes de violência doméstica (+16,5%), violência psicológica (+33,8%) e perseguição/stalking (+34,5%).
A análise dos números não revela uma conclusão inédita. O endurecimento das penas e tipificação das condutas, apesar de extremamente necessárias, não podem ser o único instrumento de combate à violência contra a mulher. É necessário agir para modificar as estruturas que toleram a violência de gênero.
O Governo Federal, em busca de implementar as ações da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, lançou o programa “Mulher Viver sem violência” que pretende implementar mais unidades da Casa da Mulher Brasileira, reestruturar a Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180), trabalhar a não revitimização durante os atendimentos de mulheres vítimas de violência, ativar unidades móveis para descentralização de atendimento e promover medidas educativas/campanhas continuadas de conscientização ao enfrentamento de todas as formas de violência contra as mulheres.
As medidas visam “zerar” o feminicídio e violências contra às mulheres e são direcionadas ao acolhimento das vítimas, estruturas de denúncia e não revitimização pelas estruturas de poder. São medidas extremamente importantes, porém, os números alarmantes exigem um salto de qualidade para ampliar a perspectiva da prevenção, ou seja, para evitar que a própria violência aconteça.
A violência contra a mulher atravessa diferentes questões sociais. Por este motivo, as políticas públicas que visam derrubar os números da violência contra a mulher precisam ser pensadas de forma integrada com a inserção da mulher no mercado de trabalho, em espaços de poder e decisão, com o fortalecimento das comunidades que estão inseridas para estruturar e descentralizar equipamentos sociais que absorvam as tarefas de cuidado com as crianças, idosos e pessoas com necessidade de cuidados. Além disso, é importante que o poder público crie mecanismos e instrumentos acessíveis ao público que vão além da denúncia, oferecendo apoio preventivo psicológico, assistencial e jurídico. Somente com uma abordagem integral e contínua conseguiremos transformar a realidade e construir uma sociedade verdadeiramente justa e segura para todas as mulheres.
Foto: Ramiro Furquim/Creative Commo
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