Inflação da comida afeta os mais pobres e deixa governo em situação difícil
O impacto da inflação alimentar no Brasil e os desafios do governo para conter a alta dos preços sem comprometer o mercado, o agronegócio e o orçamento público.
Luís Antônio Paulino/Vermelho
Uma série de fatores – emergências climáticas, El Niño, dólar alto, inflação externa, inércia inflacionária – fizeram a inflação dos alimentos no domicílio em 2024 bater em 8,22%, em 2024. Somente o fenômeno climático “El Niño”, que provoca o aquecimento das águas do Oceano Pacífico na altura da linha do Equador e causa secas prolongadas nas principais regiões produtoras agrícolas no Brasil, contribuiu, segundo estudo da consultoria LCA4 Intelligence, com 27,4% da variação de preços no domicílio, ou 2,25%. Em 2025, está ocorrendo o fenômeno “La Niña”, cujos efeitos são opostos ao do “El Niño”. Segundo a mesma consultoria os impactos de “La Niña” na inflação dos alimentos deve ser bem menor neste ano, ao redor de 0,16 ponto percentual na alta estimada de 5,7%, que continuará pela persistência dos demais fatores.
A disparada no preço dos alimentos tornou-se uma grande dor de cabeça para o governo, uma vez que afeta desproporcionalmente a parcela mais pobre da população que gasta a maior parte de sua renda com a compra de comida. Como observou a jornalista Eliane Cantanhêde, em sua coluna no Estadão (26/01/2025), “como reduzir os preços e dar uma solução principalmente para a baixa renda, sem bater de frente com os já ariscos mercado e setor do agronegócio?
Como sempre acontece nesse tipo de situação em que o governo fica perdido, começam a pipocar ideias para enfrentar a situação que criam mais ruídos e confusão do que resolvem um problema difícil de ser resolvido. Como observou a jornalista, “Até aqui, o foco não está em dizer o que vai fazer, mas no que não vai fazer: intervenção nos preços, que aterroriza o agronegócio, subsídios, que irritam o mercado, e flexibilização da data de validade de produtos nas gôndolas do varejo – sugerida pela associação de supermercados, e até adotada em alguns países, mas geraria uma festa macabra na internet contra Lula. Já imaginaram? “Lula quer vender comida estragada”, “para agradar supermercados, governo defende alimento podre”. Nem pensar!”.
Segundo o site Poder 360, o Presidente Lula solicitou ao ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, um “novo Plano Safra” para estimular a produção de alimentos básicos e tentar baratear esses itens. De acordo com o site, o ministro afirmou aos jornalistas que “O presidente determinou que a gente comece a discutir medidas de estímulo, um novo Plano Safra, que estimule mais os alimentos na mesa da população. É partir disso, então, que nós vamos nos debruçar. Além disso, levar mais tecnologia, principalmente, para os pequenos produtores para que eles possam aumentar a produtividade e, com isso, conter a inflação dos alimentos.”
Ainda segundo o site, para o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, “uma das medidas estudadas para abaixar os preços dos alimentos é aumentar o subsídio no Plano Safra e oferecer ao pequeno e médio produtor “crédito acessível e barato”.
Já para o Ministro da Casa Cível, Rui Costa, “governo considera diminuir os impostos de alimentos importados para que os preços caiam no mercado interno”.
Mas, segundo o site, “As medidas anunciadas por Paulo Teixeira e Carlos Fávaro, no entanto, contrariam declaração de Haddad, chefe da equipe econômica. O ministro havia dito na 5ª feira (23.jan) que o governo não tinha intenção de usar “espaço fiscal” para baratear os preços dos alimentos. Se forem criados subsídios, como sinalizou o titular da Agricultura, haverá impacto no Orçamento.”
Alguns países, como os Estados Unidos, tiram do cálculo núcleo do índice de preços de gastos com consumo (PCE, na sigla em inglês), a variação dos preços dos alimentos, pois são muito voláteis e podem, em curtos espaços de tempo, apresentar grandes variações para cima ou para baixo a depender de fatores sazonais e impactos externos e conjunturais (guerras, secas, inundações etc.). Obviamente, não é quebrando ou trocando o termômetro que se faz a febre abaixar. Mas o fato é que há certos problemas sobre as quais o controle e a capacidade de resolver do governo é bastante limitada, sobretudo no curto prazo.
São situações que ocorrem “fora do jogo” em relação às quais, os governos como atores centrais no jogo político têm espaço limitado de ação. Mesmo a ideia de o governo incentivar a produção por meio de crédito, subsídios, assistência técnica, relaxamento de leis ambientais não resultará automaticamente em queda de preços. Hoje em dia, o grosso dos alimentos consumidos pela população se tornaram commodities, cujos preços são definidos no mercado internacional. Se houver demanda externa a um preço mais elevado, nenhum produtor vai querer vender internamente a um preço mais baixo, mesmo que a produção local aumente.
A verdade é que vivemos em um país extremamente desigual, no qual uma parcela expressiva da população mal ganha para comprar comida. Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), cerca de 59 milhões de pessoas no Brasil, pouco mais de 1/3 da população total, têm rendimento ligado ao salário-mínimo. Cerca de 19 milhões de aposentados e pensionistas recebem salário-mínimo. Se as pessoas recebessem um salário que permitisse que o gasto com comida fosse apenas uma fração de seus ganhos, a variação do preço dos alimentos, algo sobre o que o governo tem pouco controle, não seria tão dramática e preocupante.
Leia: Lula na frente, mas ainda é cedo https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/02/minha-opiniao_4.html
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