Marxismo, economia política & desenvolvimento*
A relação entre marxismo e desenvolvimento econômico é explorada a partir das contribuições de Kondratiev, Kalecki, Lange e a experiência chinesa.
A. Sérgio Barroso/Vermelho
Persiste até hoje, em grandes áreas da interpretação da teoria marxista, a ideia de que o desenvolvimento econômico-social é apartado da perspectiva socialista. Ou que a epistemologia marxiana resulta na luta de classes e somente sobre esta ótica a teoria revolucionária deveria ser validada.
Nada mais falso. Cada vez mais fundamental, por isso mesmo, recordar a enorme contribuição dos poloneses Michal Kalecki (1899-1970) e Oscar Lange (1904-1965), que desde jovens voltaram-se às grandes questões da crítica marxista do capitalismo, orientando suas pesquisas exatamente para a transformação da natureza perversa de seu desenvolvimento. Mas não só: os dois, aliás, deram pioneiros aportes para uma teoria da construção econômica do socialismo especialmente após o final da 2ª Guerra Mundial.
Desse tronco, entretanto, ninguém foi tão longe – tão audacioso – como o economista russo Nikolai Kondratiev (1892-1938). A problemática do desenvolvimento do capitalismo aparece em toda a sua plenitude em suas famosas teorias dos “ciclos longos”. Nos marcos de 50 anos, Kondratiev observou uma regularidade da coexistência entre ascenso de cerca de 25 anos, e descensos do crescimento econômico em outros 25, advinda a incontornável crise.
Não à toa, outro grande pensador marxista, o historiador Eric Hobsbawm (1917-2012), examinou com atenção as teses muito influentes de Kondratiev. Para Hobsbawm não se conseguiu até hoje explicar tal regularidade – “sua existência foi negada por estatísticos e outros cientistas” [1] -, inobstante se reconheça que há periodicidade em mudanças de longo prazo na economia e na sociedade.
O fato é que os “Ciclos de longa duração” do economista russo – que sofreu novos desdobramentos com o austríaco Joseph Schumpeter nomeando-o como “Ciclo de Kondratiev” – teve no brasileiro Ignácio Rangel (1914 -1994) sua defesa mais contundente. Para Rangel, a assertiva (fulminante) de Kondratiev, de que a “Grande Depressão” dos anos 1930 se reverteria com o término da fase b do ciclo, e a reanimação econômica mundial (fase a), pode ter implicado em sua morte “em circunstâncias pouco claras”. [2] Rangel alude aqui do modo preciso à questão do dogmatismo do pensamento econômico soviético de Estado, cujo voluntarismo decretava então a impossibilidade de recuperação pós-depressão – o oposto de Kondratiev e seus ciclos longos.
Ademais, considere-se que os ícones e pioneiros da Teoria do Desenvolvimento (décadas de 1940 e 1950), incluem, em abordagens diversificadas e pelo viés centro-periferia, o polonês da Escola Austríaca Paul Narciyz Rosenstein-Rodan, o sueco Gunnar Myrdal, o húngaro Nicholas Kaldor, os norte-americanos Paul Baran e Albert Hirshman, o estoniano Ragnar Nurkse, o britânico Maurice Dobb, o chileno Raúl Presbich, o brasileiro Celso Furtado. Além de Rangel, a influência de Marx no pensamento econômico brasileiro, aparece peculiarmente em João M. Cardoso de Mello, Luiz Gonzaga Belluzzo, Maria da Conceição Tavares, I. Rangel Sérgio Silva, Paul Singer, entre outros. Noutra esfera, o olhar interpretativo de Caio Prado Jr., Nelson W. Sodré, Jacob Gorender, Álvaro V. Pinto, Florestan Fernandes.
Esse pequeno registro acima revela a importância crucial que alguns dos maiores pesquisadores da economia política crítica marxista davam à problemática do desenvolvimento. Porque de nada serviria o poderoso instrumental científico elaborado por Marx, Engels, Lênin e seus discípulos autênticos, se a lei do desenvolvimento das forças produtivas não exigisse – e não estivesse – no centro da luta por uma nova sociabilidade, por sua feita somente alcançada a partir do próprio revolucionamento da sociedade capitalista.
Ora, possuem papel determinante as forças produtivas no desenvolvimento das sociedades, seus vínculos entre o processo da revolução social, e o estágio de desenvolvimento das forças produtivas e as relações sociais de produção. São questões centrais da concepção materialista da história.
Certamente problemática vasta e candente nos dias que correm, por sua feita merecedora de brilhante (e recentíssima) interpretação do atual líder comunista chinês Xi Jinping:
“Para aprender Marx, é necessário estudar e praticar o pensamento marxista sobre as leis do desenvolvimento das sociedades humanas. A ciência de Marx revela a tendência inevitável da sociedade humana que impreterivelmente se moverá em direção ao comunismo. Marx e Engels acreditam firmemente que a sociedade futura, “em que o livre desenvolvimento de cada um é a condição para o livre desenvolvimento de todos”, “os proletários nada têm a perder a não ser as suas cadeias. Têm um mundo a ganhar”. [3]
A propósito, é preciso repetir que – é questão paradigmática das ciências sociais contemporâneas – a República Popular da China passou a ter elevadas e inéditas taxas de crescimento econômico, de maneira sustentada, chegando, nos 42 anos correspondentes a 1978-2020, a 9,5% do PIB (Produto Interno Bruto) médios em 35 anos desses! Desde 1978, o país retirou da pobreza cerca de 800 milhões de pessoas, tendo o presidente Xi Jinping comemorado o fim da “pobreza extrema’ em 2021.
Ora, eis que, a partir da grande crise global iniciada em 2007-8, as reflexões de pensadores do campo do marxismo se voltaram tanto sobre as questões simbolizadas teoricamente por Nikolai Kondratiev – e os estudiosos do “ciclo longos” ou “ondas longas” -, quanto sobre as perspectivas sombrias que o capitalismo financeirizado anunciara. Vale dizer: sobre o presente e o futuro deste capitalismo, suas transfigurações e a luta anticapitalista numa visão estratégica de desenvolvimento.
Um grande estudioso da aludida correlação Economia Política, Marxismo e Desenvolvimento, Elias Jabbour considera a grande estratégia chinesa e como ela evoluiu, no seguinte sentido : 1) domínio do mercado pelo Estado; 2) liberalização regulada do comércio; 3) formação do mercado consumidor interno; 4) industrialização “engatada”, também, no empreendedorismo camponês; 5) indução da concorrência (pequenas, médias e grandes empresas), junto ao estímulo à educação a essa dinâmica; 6) novo sistema de planificação – aos “saltos” – industrial, e a seguir do comércio exterior como “bem público” e Estado. [4]
Nesse estudo, Jabbour (et alii) compartilha ainda de ter a orientação chinesa se baseada na ideia de J. M. Keynes (1883-1946), sobre a necessidade da “socialização do investimento”: o Estado a dirigir a complementaridade entre o investimento público e o privado, influenciando o padrão de consumo das famílias através de políticas tributária, monetária e fiscal (idem, p.166). Mas, qual a tese central de Jabbour? Na China configura-se uma “nova formação econômico-social”,desenhada no socialismo de mercado. Uma Novidade teórica!
DESENVOLVIMENTO: CLIVAGENS
Assim, os artigos e ensaios deste livro buscam apresentar uma visão francamente inspirada no marxismo, se concentrando em três eixos que se inter-relacionam: a) o alcance contemporâneo da teoria de Marx e Lênin – marxismo e desenvolvimento; b) problemas e desafios da atualidade do marxismo, incidindo a análise nas lições da grande crise capitalista iniciada em 2007-8, à época do declínio da imperialismo norte-americano; c) aspectos dos dilemas do desenvolvimento brasileiro, agravados especialmente a partir do golpe parlamentar-judicial-midiático desde abril de 2016 (governo Temer), seguidos pela intensa regressão imposta no governo Bolsonaro (2018-2022).
*Versão inicial da Apresentação do livro sob o mesmo título, ainda em organização
NOTAS
[1] Ver: “A história e a previsão do Futuro”, em: Sobre história, São Paulo, Companhia de Bolso, 2013, p. 79.
[2] Ver: “O quarto ciclo de Kondratiev”, I. Rangel, Revista de Economia Política, São Paulo, 1992, p.31.
[3] Ver: “Discurso em comemoração aos 200 anos de Marx”,Xi Jinping, presidente da República Popular da China e secretário-geral do Partido Comunista Chinês. Traduzido para Princípios por Gaio Doria. Em: Revista Princípios, nº 154, São Paulo, maio/junho 2018.
[4] Ver: “China: socialismo e desenvolvimento sete décadas depois”, E. Jabbour, São Paulo, Fundação Mauricio Grabois/Anita Garibaldi, 2019.
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