Beto de Shanghai
Luciano Siqueira
instagram.com/lucianosiqueira65
Difícil
escrever sobre a China, esse imenso país de um bilhão e trezentos milhões de
habitantes que constrói, a seu modo, as bases objetivas e subjetivas para a
sociedade socialista. Aqui, onde nos encontramos, numa estada de duas semanas,
em missão oficial da Prefeitura do Recife, tudo é instigante. O crescimento se
dá em todas as direções, em ritmo acelerado, numa verdadeira orgia de trabalho.
Guanghzou, Hanghzou, Shanghai e Beijing - cidades que visitamos pela primeira
vez - causam tamanho impacto que não dá para dividir com vocês, de pronto, as
impressões que colhemos do que vimos e do que conversamos com autoridades e
técnicos de governos locais e com o diretor geral para a América Latina e o
Caribe do Departamento Internacional do Comitê Central do Partido Comunista,
Wang Hua (que nos ofereceu um jantar e com quem dialogamos sobre os complexos
problemas teóricos e políticos da transição do capitalismo ao socialismo e
sobre a situação brasileira e latino-americana).
É preciso
esperar que caiam as fichas - o que deverá acontecer, pouco a pouco, no retorno
ao Brasil.
Porém um
brasileiro rouba a cena - e é impossível deixar de falar dele agora. Trata-se
de Beto, cearense de nascença, criado no Rio de Janeiro, há um ano e meio em
Shangai, onde comanda a cozinha da Churrascaria Latina, numa das áreas centrais
da cidade. Deixou a esposa e o filho de seis meses no Rio em troca de um
salário mensal de mil dólares - dos quais envia a metade para a família,
duzentos gasta com moradia e outras necessidades pessoais e trezentos poupa em
função de projetos futuros.
A saga de
Beto tem um nome: o brasileiro é antes de tudo um corajoso. Pois além da arte
culinária e boa dose de saudável malícia, esse moreno jovial de apenas quarenta
anos demonstra, sobretudo, coragem. Topou enfrentar um mundo inteiramente
desconhecido, sem falar sequer uma palavra do idioma local, tendo que se
comunicar com os outros quase sessenta funcionários através da mímica. Agora já
fala "chinglês". Hábil, diz que só paulatinamente foi alterando o
sabor e as combinações do cardápio, "para não ferir os nativos".
Saudade
do Brasil? Muita. Da mulher, do filho, da mãe, dos amigos, do ambiente carioca.
Tanto que se deixa entusiasmar na conversa, falando da sua vida, da vida na
China, do contato com brasileiros que por aqui passam, alguns ilustres
detentores de cargos públicos. Esteve entre os pouco mais de setenta
compatriotas convidados para uma recepção com Lula, quando da visita do
presidente à cidade.
"Aqui
a gente aprende muito", diz ele. "O chinês é trabalhador e
esperto" - sentencia, despedindo-se rápido para atender ao telefonema de
uma cliente que deseja fazer encomendas para o jantar.
Precisava
não, Beto, ir tão longe, para o outro lado do mundo, para mostrar que pode
viver do seu trabalho. Provavelmente você é muito mais esperto do que os
chineses. Pode crer, amigo, trilhando um caminho próprio, o Brasil alcançará,
no futuro, um padrão de desenvolvimento como o da China. Então, gente como você
não necessitará sair do país em busca de um lugar ao sol.
*Publicado
no site espanhol La Insignia,
maio de 2005. Incluido no meu “O Vermelho é Verde-Amerelo”
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