Babel no consultório
Luciano
Siqueira
instagram.com/lucianosiqueira65
Em geral as pessoas permanecem em silêncio ou falam baixinho. Na antessala do consultório ocorre uma espécie de combinação tácita: a discrição é de bom tom.
Mas há
quem responda ligações ao celular em voz alta, tipo mensagens em alto falante
das festas de São João, padroeiro do meu bairro, Lagoa Seca, em Natal. Recados,
declarações de amor semi secretas, avisos e pedidos de ajuda financeira para
restaurar a igreja eram proclamados em publico, para que todos soubessem.
O
alto-falante de hoje é o smartphone, as pessoas ouvindo mensagens de áudio em
tom suficiente para que o vizinho do lado escute tudo. E responde como se
estivesse na cozinha de casa:
— Eu já
disse que precisa estender no varal!
— Estou
no médico, não posso atender... Diga a seu Luiz, o pintor, que deixei as latas
de tinta na área de serviço.
— Menina,
não posso te contar agora porque estou esperando para ser atendida. Foi o maior
barraco, viu!
Cá no meu
canto, mais interessado nas notícias, escuto os sons da Babel sem prestar
atenção.
Mas ontem
um cidadão ao meu lado, tão logo ouviu a atendente pronunciar meu nome, como
que tomado de instantâneo furor ideológico acessou no celular vídeos de
exaltação a Bolsonaro e de ataques à esquerda, Lula principalmente.
Mais irado
se tornava à medida em que a minha indiferença o atormentava. O silêncio é
veneno mortal ao provocador.
Imaginando
o furibundo odiento em seu limite, simulei receber uma ligação: “Sim, eu li
hoje nos jornais. A economia melhora e a aprovação do governo Lula cresce!”
O dito
cujo se levantou abruptamente e foi sentar-se distante, visivelmente
contrariado.
O “gado”
neofascista não suporta o contraditório, submerso na realidade paralela alimentada
pelas fake news que lhe chegam a todo instante.
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