31 julho 2025

Claúdio Carraly opina

Brasil e Estados Unidos: uma guerra assimétrica
Cláudio Carraly*  

A ordem executiva assinada por Donald Trump impondo tarifas de 50% sobre produtos brasileiros e citando nominalmente Jair Bolsonaro e o blogueiro Paulo Figueiredo, não é apenas uma escalada comercial, é uma declaração de guerra econômica contra o povo brasileiro. É a confirmação definitiva de uma nova fase da guerra assimétrica que os Estados Unidos travam contra países que ousam exercer a sua soberania, e representa o momento em que a máscara da “parceria” finalmente caiu. Ao falar de interferência política direta com chantagem econômica, Trump revelou que há de mais arcaico e desesperado na política externa estadunidense.

A justificativa apresentada pela Casa Branca de que o governo brasileiro representa uma "ameaça incomum e extraordinária" à segurança nacional dos EUA expõe a paranóia de um império em decadência. Declarar emergência nacional com base na Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional de 1977 contra o Brasil, enquanto simultaneamente sanciona o ministro Alexandre de Moraes pela Lei Magnitsky, demonstra o desespero de quem perdeu a capacidade de exercício de influência através de meios diplomáticos ocasionais.

Durante décadas, os EUA mantiveram sua posição hegemônica no mundo através de uma combinação de uma diplomacia prejudicial, força militar, influência econômica e dominação cultural. No entanto, essa hegemonia já não se sustenta mais, a emergência de novos atores globais e o fortalecimento de blocos alternativos como os BRICS, que buscam investimentos de projetos multilaterais de desenvolvimento e cooperação, têm progressivamente minado o poder unilateral dos EUA. O mundo já não gira em torno de Washington e isso os incomoda profundamente.

O Brasil, ao adotar uma política externa mais autônoma e orientada para o multilateralismo, naturalmente passa a atrapalhar essa ordem em ruínas. As recentes aproximações com a China, com os BRICS+, com países do Sul Global e a defesa de uma nova governança internacional mais equânime colocam o Brasil num novo eixo estratégico. E essa guinada, ainda que moderada e gradual, é percebida pelos setores do establishment norte-americano como um ato de desobediência intolerável.

A inclusão de Bolsonaro e Paulo Figueiredo na ordem executiva revela uma estratégia ainda mais sinistra e antidemocrática: a instrumentalização de extremistas de direita como pretexto para pressão geopolítica devastadoras contra o Brasil. Trump não defende genuinamente os direitos humanos, muito pelo contrário, o que vemos é a operação clássica de utilização de seus aliados internos para causar a destruição econômica de uma nação soberana.

Essa guerra assimétrica não se dá no campo de batalha tradicional, já não há tanques, e não há invasões. O que existe é chantagem comercial, manipulação midiática, operações de desinformação e uso político de organismos internacionais. A atual administração dos EUA pressionou empresas, impôs decisões, desestabiliza democracias por dentro e cria narrativas para explicar suas ações, tudo sob a bandeira da "liberdade" e dos "direitos humanos", ainda que o que esteja em jogo seja, sempre, o controle de mercados e recursos alheios.

A tarifa de 50% não é apenas uma medida comercial, é um recado político. É uma tentativa de punir economicamente o Brasil para exercer sua soberania judiciária e para não se curvar às pressões externas. Quando Trump afirma que está “protegendo a segurança nacional dos Estados Unidos de uma ameaça estrangeira”, ele revela a essência imperial de quem não tolera que outros países tomem decisões independentes que contrariem os interesses do velho poder.

Os brasileiros precisam estar cientes disso. Estamos entrando, pelo nosso crescimento com um ator global extremamente relevante, em uma disputa geopolítica na qual o país será constantemente provocado, testado e baseado. A guerra é comercial, mas também simbólica. Está em jogo a capacidade do país de construir um projeto nacional soberano, voltado para o desenvolvimento com justiça social e inserção internacional altiva. E, ao contrário do que muitos imaginam, isso não será permitido pacificamente aos que ainda se imaginam senhores do mundo.

A tentativa do presidente Lula de estabelecer diálogo, relatada em entrevista ao New York Times quando afirmou que "ninguém dos EUA quer conversar" sobre o tarifaço, demonstra a maturidade diplomática brasileira diante da intransigência estadunidense. Enquanto o Brasil busca o diálogo, eles responderam com ultimatos e sanções.

Por isso, o caminho do Brasil não pode ser o da submissão, tampouco o alinhamento automático com qualquer potência. O país precisa afirmar sua soberania com lucidez e estratégia, ampliando suas parcerias sul-sul e aprofundando sua integração com a América Latina e a África. Além disso, deve fortalecer o papel dos BRICS como alternativa real à ordem unipolar e apostar em instrumentos financeiros próprios, como o comércio em moedas locais e o uso de bancos multilaterais independentes.

Ao mesmo tempo, é preciso resistir às tentativas internacionais de sabotagem de extrema direita. Grupos políticos locais alinhados a interesses estrangeiros atuam como verdadeiros cavalos de Troia, não só aqui, mas no mundo todo, esses grupos buscam desestabilizar governos democraticamente eleitos, desacreditar políticas públicas nacionais e semear o caos como pretexto para restaurar um modelo de dependência que agoniza de morte. A ordem executiva de Trump foi dirigida a eles, não ao Brasil democrático e soberano.

O império, ao agir dessa forma, apenas confirma sua decadência terminal e seu desespero crescente. Quando um país precisa recorrer a avaliações econômicas brutais e interferências políticas descaradas para tentar manter sua influência, isso demonstra a sua falência iminente, o esgarçamento do seu modelo de liderança global. É o comportamento típico de um predador acuado, sem capacidade de seduzir ou convencer, resta apenas uma tentativa patética de ameaçar quem ousa desafiá-lo. E, quando um país tenta exportar sua crise interna para outro, é preciso firmeza.

O Brasil precisa entender que o novo conflito em curso não é apenas econômico, e sim civilizacional. A disputa é entre um modelo de mundo multipolar, democrático e respeitoso à soberania nacional de todos os estados nacionais, e outra que insiste na dominação unilateral através da força e da chantagem, neste embate, não basta sobreviver é preciso liderado e direcionado o futuro.

Ou o Brasil assume seu papel como ator geopolítico soberano, com projeto próprio, resistindo às pressões e construindo alternativas concretas à ordem nati-morta, ou será tragado pela tempestade de um antigo império que, sem conseguir mais mandar no mundo, tenta arrastá-lo para o fundo com ele. Este não é mais um debate acadêmico ou uma reflexão diplomática. Cada brasileiro precisa entender que estamos vivendo o momento decisivo, não se trata apenas de economia ou política externa, trata-se de definir se teremos um país realmente soberano ou se serão limitados de volta à condição de colônia.

As forças entreistas internacionais, aquelas mesmas que Trump cita em sua ordem executiva, trabalham incansavelmente para sabotar qualquer projeto nacional independente. Eles sabem a subordinação confortável à dignidade da luta. Precisam ser identificados, expostos e politicamente derrotados em cada espaço de poder que ocupam, carregando para sempre o carimbo de quinta-colunistas que são.

A batalha não será fácil, um antigo império ferido é muito mais perigoso, mas nunca na história moderna houve condições tão elaboradas para quebrarmos definitivamente as correntes de nossa dependência. China, Índia, Rússia, África, os países árabes, todos enfrentam o mesmo tipo de chantagem em algum momento de suas trajetórias. A história julgará sem piedade quem se omitiu nesse momento tão grave. O Brasil não tem apenas uma oportunidade, mas o dever histórico de ser um dos líderes da resistência global contra a tirania dos EUA sob Trump. O futuro se decidir hoje, a neutralidade é cumplicidade e o colaboracionismo crime! Soberania de verdade só se conquista com luta.

*Advogado, ex-secretário executivo de Direitos Humanos de Pernambuco.

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