O
ex-técnico pinguço e o carnaval televisivo
Luciano Siqueira
instagram.com/lucianosiqueira65
O mineiro Martim Francisco, técnico nos anos 40-60, notabilizou-se por introduzir o esquema tático 4-2-4, no Vasco da Gama, em 1956, conforme reza a lenda futebolística verde-amarela. Para protesto de alguns, que atribuem o feito ao paraguaio Fleitas Solich, então treinador do Flamengo. Pouco importa, pois a lembrança do mineiro de Ouro Preto vem ao caso apenas porque, num olhar breve sobre a cobertura do carnaval na TV, me veio à mente uma ocorrência do início dos anos 70, em Maceió.
- Que tem a ver o calcanhar com a
cueca?, poderia arguir quem me lê nesse estante.
Explico. Já em fim de carreira – fim
mesmo! -, que o volume diário de hidroxila consumido se encarregou de
antecipar, Martin Francisco foi contratado pelo CSA das Alagoas, com grande
repercussão nos jornais locais e nas resenhas radiofônicas. Seria a solução
para as pelejas finais do campeonato estadual.
Seria, mas não foi: entre o copo e a
cancha, o ex-técnico dava preferência insofismável ao primeiro. Foi dispensado,
causando grande frustração à torcida alviazulina. E em mim também, que em plena
militância clandestina, conferia tudo pelas ondas poderosas das rádios locais,
empolgado com a vinda do mago da tática que levara o meu Vasco a vitórias
memoráveis. Fiquei até torcedor do CSA por causa disso.
Mas a Rádio Gazeta não se deu por
vencida. O pinguço ex-técnico, agora mais ex do que nunca, não estaria no banco
do CSA, mas poderia se dirigir aos aficionados alagoanos convertido em
comentarista.
Acontece que no intervalo entre o
primeiro e o segundo tempo do clássico CSA x CRB, convidado a fazer uma
observação complementar à análise do titular da matéria (não me lembro quem
era), ouviu-se prolongado silêncio, uns soluços hic, hic típicos de quem já havia
enchido a lata, até que o astro convidado fez o definitivo comentário, quase
monossilábico: “Falta o dedo de um técnico, hic!” – sem se dar ao trabalho de
explicar de qual técnico, se do esquadrão azul e branco ou do seu oponente
alvirrubro, nem exatamente onde, taticamente, o tal dedo deveria ser
colocado... E nada mais disse, nem foi perguntado.
Bom, e que isso tem a ver com a
cobertura televisiva do carnaval? Tudo a ver, como no slogan da Globo. Nunca vi
comentaristas tão pobres de ideias e tão pueris em suas conservações! “A turma
está animada”, “A escola mostrou que tem dinheiro e soube gastar”, “As
fantasias são impressionantes” e que tais. Análise que é bom, necas!
Para completar, repórteres de rua (é
assim que se chama?), com raras exceções, se excederam na inglória arte de
perguntar o óbvio ou ignorar as mais legítimas e fascinantes expressões de
nossa cultura.
A cada pergunta imprópria, me vinguei
imaginando respostas na mesma moeda: “Você desfila por que gosta?” (Não
senhora, estou aqui por penitência), “Sua fantasia está pesada?” (Nada disso,
esse boneco gigante é leve feito uma pluma, quer experimentar?), “Muito calor
ou você nem sente?” (Sinto nada, são quase 40 graus, mas estou morrendo de
frio) e assim por diante.
Claro que mudei de canais (a bem da
verdade, o festival de mediocridade não foi uma exclusividade da Globo, a
concorrência marcou firme na mesma toada).
Ora, se é mesmo para desinformar –
como se faz diariamente em matéria de política, economia e quejandos -, por que
no carnaval seria diferente? Ainda bem que o povo faz a festa sem precisar da
reportagem televisiva. Nem do dedo de um técnico para explicar a fantasia e a
algazarra.
Crônica publicada no portal Vermelho www.vermelho.org.br e no Jornal da
Besta Fubana, fevereiro de 2013
[Se comentar, identifique-se]
Leia: “Sala de espera", uma crônica de Luis Fernando Veríssimo https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/08/uma-cronica-de-luis-fernando-verissimo.html

Nenhum comentário:
Postar um comentário