Schoenstatt, o movimento ultraconservador seguido pelo presidente eleito do Chile e que também está no Brasil
Juan Francisco Alonso/BBC
José Antonio Kast, presidente eleito do Chile, é um homem de profundas
convicções religiosas.
Ele deixou isso claro em seu
primeiro discurso, logo após a divulgação dos resultados da votação de domingo
(14/12), ao afirmar: "Nada seria possível se não tivéssemos Deus".
"Nada acontece na vida, para
nós que somos de fé, que não esteja em relação direta com Deus",
prosseguiu.
Em seguida, pediu àquele que
considera seu criador que lhe concedesse "humildemente" a
"sabedoria, a temperança e a força para estar sempre à altura" do
desafio que assumirá em 11 de março de 2026, quando substituirá o atual
presidente chileno, Gabriel Boric, no palácio presidencial La Moneda.
Essas foram 3 das 5 frases com
conteúdo religioso pronunciadas por Kast, que tem 59 anos e também é advogado,
ao longo de quase uma hora de discurso diante de milhares de apoiadores
reunidos em Santiago para celebrar sua vitória nas eleições presidenciais.
No entanto, nada disso deveria causar surpresa. O motivo? É que o político e
vários de seus irmãos foram criados sob as diretrizes do Schoenstatt, um
movimento católico ultraconservador
com presença em mais de 100 países, incluindo todos da América Latina.
Os vínculos do presidente eleito com o movimento começaram por meio de
"seu irmão mais velho, Miguel", afirmou o filósofo chileno Álvaro
Ramis Olivo à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC) . Miguel Kast
ingressou no Schoenstatt após conhecer alguns de seus integrantes durante seus
anos de universidade.
Mas outras fontes sustentam que o
primeiro contato com o Schoenstatt partiu dos pais do político, Michael Kast e
Olga Rist. Ambos eram profundamente religiosos e devotos da Virgem Maria, uma
prática comum na Baviera alemã, de onde vieram.
De um lugar bonito em um momento feio
O Schoenstatt é "um
movimento apostólico de renovação, nascido dentro da Igreja", com um
"caráter mariano", segundo a definição em seu site oficial.
"A formação de um novo homem
e de uma nova comunidade que sirvam à Igreja e à sociedade" é o objetivo
da organização, explicou o padre Felipe Ríos, coordenador do movimento nas
Américas, à BBC News Mundo.
O Schoenstatt foi fundado em
outubro de 1914, poucos meses após o início da Primeira Guerra Mundial
(1914-1918), pelo padre alemão José Kentenich (1885-1968).
O nome vem de um vilarejo
localizado na região de Vallendar, às margens do rio Reno, no atual estado da
Renânia-Palatinado, no oeste da Alemanha, próximo às fronteiras com Luxemburgo
e Bélgica.
Kentenich, que era membro da
Sociedade do Apostolado Católico, mais conhecida como Padres palotinos,
lecionava em um seminário que a ordem mantinha na localidade de Schoenstatt,
palavra alemã que pode ser traduzida literalmente como "lugar
bonito".
O padre, junto a um grupo de
estudantes, restaurou uma pequena capela situada nos jardins do seminário e
pediu à Virgem Maria que a transformasse em um local de peregrinação.
Uma das características do grupo
é que, onde quer que estejam presentes, seus membros constroem réplicas
idênticas à capela alemã.
"Muito antes de cadeias
de fast-food como o McDonald's descobrirem o efeito cultural
de estabelecimentos totalmente idênticos, o Espírito Santo em Schoenstatt
começou a fazer isso", afirma o site da organização, que informa existir
atualmente 200 "santuários filiais" em todo o mundo.
Mas o que é exatamente o
Schoenstatt? É uma congregação religiosa ou algo diferente?
"É uma organização dentro da
Igreja Católica que surgiu com a ideia de que os leigos poderiam desempenhar
tarefas semelhantes às das ordens religiosas, mas com autonomia em relação aos
hierarcas eclesiásticos", explicou Ramis Olivo.
"O movimento tem um ramo
leigo — formado por pessoas que não tomaram hábitos religiosos/votos — e um
ramo religioso, que inclui uma ordem sacerdotal e uma comunidade de mulheres
leigas consagradas. Elas se assemelham muito às freiras, embora não o sejam, já
que não fazem votos", acrescentou Ramis Olivo, especialista em teologia,
que é reitor da Universidade Academia de Humanismo Cristiano (Chile).
Semelhanças
e diferenças com o Opus Dei
A historiadora italiana Alexandra
von Teuffenbach, além de confirmar que o grupo é formado por "vários
ramos", afirmou que alguns deles são "institutos seculares" — ou
seja, organizações cujos integrantes, sem serem religiosos, se comprometem a
viver em pobreza, castidade e obediência, ao mesmo tempo em que permanecem
inseridos em seu ambiente social e profissional habitual.
"Comparar o Schoenstatt com
a Opus Dei é apropriado", afirmou a pesquisadora à BBC News Mundo, ao ser
questionada sobre outros grupos católicos que poderiam ser considerados
equivalentes.
No entanto, Ramis Olivo alertou
para diferenças significativas entre o Schoenstatt e a organização Opus Dei,
fundada pelo padre espanhol Josemaría Escrivá de Balaguer (1902-1975).
"Embora existam semelhanças,
o Schoenstatt não tentou influenciar a política. Já a Opus Dei, durante o
regime franquista na Espanha, aproveitou o contexto para posicionar seus
membros em cargos estratégicos da economia e do sistema bancário, os chamados
'tecnocratas'", afirmou Ramis Olivo.
Até a eleição de Kast, apenas um outro integrante desse movimento católico havia ocupado um cargo de alto escalão no Chile: seu irmão mais velho, Miguel, que atuou como ministro e presidente do Banco Central durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).
"Esse grupo prioriza a vida familiar mais do que a vida pública", explicou Ramis Olivo.
"E, embora compartilhe com a
Opus Dei o rigor sexual e moral, não tem um tom tão culpabilizador. Não recorre
a penitências como flagelações ou ao uso do cilício [instrumento de penitência
corporal], como é denunciado no caso da Opus Dei", afirmou.
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