Três Senhoras
Abraham B. Sicsu
Os homens se foram faz algum tempo. Três mulheres de longa vida, passaram dos noventa, uma dos cem. Uma geração que se acaba na vida terrena. Uma missão cumprida na base do afeto. Reverenciadas, sempre serão lembradas.
Bem
fazem os mexicanos. A morte é motivo de festa. Muita música, muita comida e
bebida. A memória homenageada. Dizem eles, quem é lembrado sempre estará no
reino divino.
Três
guerreiras de origens diferentes. A vida fez com que se unissem em São Paulo.
As uniões de filhos as tornaram grandes amigas. Encontrar uma delas trazia,
obrigatoriamente, a primeira pergunta. Como está sua mãe?
Lideraram
três famílias. Com carinho e muita compreensão. Enfrentaram as adversidades da
vida e souberam conduzir seus descendentes. Filhos, netos e bisnetos.
Lembro
das festas familiares. Sempre as três numa mesa. Juntas cercadas por todos.
Contando suas aventuras, seus momentos felizes. Como nós hoje, lembrando os que
se foram sem deixar de transmitir orgulho e saudades. E mostrar a alegria da
vida.
Nina,
a espanhola que veio do Marrocos. De dona de casa virou comerciante de sucesso.
Sempre simpática, sempre divertida. Inventava histórias que nem ela acreditava,
nos fazia felizes. Comer em sua casa era sinal de fartura. Quatro filhos, oito
netos, onze bisnetos.
Pina,
paulistana de família de origem italiana, muito carinhosa. Foi minha grande
amiga. Gostava de escutar minhas andanças, perguntava tudo de todos. Com ela
comia as massas à moda de seus antepassados, com ela escutava canções da “Velha
Bota”. Uma filha, dois netos, três bisnetos.
Leucipe,
que agora se foi. Nordestina, orgulhosa das origens. Franca como ninguém. Às
vezes até demais. Cozinheira de mão cheia. Jamais esquecerei nossas conversas,
seu modo peculiar de ver a vida, de amar plantas e animais. Quatro filhos, seis
netos, sete bisnetos.
Enterros
mechem comigo. Sempre me desestruturam, talvez, para me reestruturar. Acabo de
vir de um deles, da última das velhas senhoras. As lágrimas da morte marcam. A
dor da perda, momento para reviver tudo que juntos vivemos.
Lembrei
de um belo filme. “Por quem os sinos dobram”, com Gary Cooper e Ingrid Bergman.
Baseado na obra de Hemingway. Livro que também li. Tendo como cenário a guerra
civil espanhola.
A
mensagem que me vem à mente é clara. A morte de qualquer um de nós afeta a
todos. A humanidade tem desígnio comum. Somos todos dependentes. De geração em
geração.
O
“tocar dos sinos”, anunciando a morte, prenuncia o continuar que seus entes
queridos devem dar à vida.
Não
é um fim em si, é caminho da vida que nossa civilização ainda não aprendeu a
tornar algo natural. Faz com que novos grupos assumam o sentido a dar ao mundo.
Lembrando que a herança de ensinamentos e princípios que recebem é que poderá
dar o real significado.
A
conexão de gerações se faz presente. Respeitar os que se foram sem deixar de
ter esperança nos que ficaram e começam a enfrentar os duros caminhos que se
lhes apresentam. Os que terão como missão nos liderar. Com dignidade, com
empatia, com muita esperança.
O
suceder de gerações traz responsabilidades. Agora, na minha família expandida,
é a vez do meu grupo assumir o papel de anciões conselheiros. De dar afeto e
apoio aos que nos sucedem. Não se tem mais as “bisas”, os jovens não serão
contemplados mais com a doçura das velhas senhoras. Verdade, nas lembranças
guardarão seus ensinamentos.
Dá
sentido à vida que nos resta na Terra. Viver para acolher, viver para
transmitir o que nos foi dado, viver para aprender, um mundo que não é o nosso,
mas que faça sentido para os que nos sucedem.
Leucipe,
Pina e Nina, estarão sempre presentes. Muitas saudades.
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A vida segue https://lucianosiqueira.blogspot.com/

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