Combater a corrupção, sem paralisar o país
Haroldo Lima, no portal da Fundação Maurício Grabois
Enquanto as empreiteiras
brasileiras, acusadas de suborno, já não podem firmar contrato com a Petrobras
e o Poder público, as estrangeiras, com acusações semelhantes, continuam
negociando com a estatal. A japonesa Mitsui, acusada de gestão corrupta que
envolve o presidente da Câmara, nada sofreu e está se tornando sócia da
Petrobras, na Gaspetro.
Visito a Base
Naval e os Estaleiros em construção em Itaguaí, no Rio de Janeiro, e
certifico-me de que corremos o risco de enveredarmos por um caminho gravemente
equivocado de combate à corrupção.
A partir de
2008, a Marinha do Brasil contratou o Consórcio Baía de Sepetiba, formado pela
Diretoria de Construções Navais e Serviços- DCNS, uma estatal francesa de larga
atividade mundo afora, e a brasileira Odebrecht Defesa e Tecnologia,
especializada em engenharia de grande porte. O Consórcio construiria a base
onde seriam projetados e construídos submersíveis. O escopo inicial do projeto
foi estabelecido: quatro submarinos convencionais e um de propulsão nuclear,
este baseado apenas na tecnologia nacional, pois, nessa esfera, ninguém cede
tecnologia.
A
administração dos trabalhos de construção ficou a cargo da Odebrecht Defesa e
Tecnologia, que chegou a mobilizar uma força de trabalho de 6.500 homens e
mulheres, mantendo uma movimentação média de 4.000 pessoas e um pico de
trabalho previsto para 9.000 empregos diretos e 32.000 indiretos. Cerca de 300
empresas brasileiras forneceram materiais diversos para o complexo em
construção.
E assim, hoje,
às margens da baía de Sepetiba, já estão de pé grandiosas e modernas
edificações, como a Unidade de Fabricação de Estruturas Metálicas e o edifício
principal do estaleiro de construção dos submarinos, um gigante capaz de
abrigar, a um só tempo, dois submarinos em construção.
Dispensável
lembrar como isto reforçará, em nível superior, a capacidade brasileira de
defesa dos seus mares, onde estão, entre outras riquezas, nosso pré-sal e uma
imensa biodiversidade.
Pois todo esse
projeto está dramaticamente ameaçado de ser paralisado, pelo que se sabe, por
ser coordenado pela Odebrecht. Esta, que coordena a execução do projeto por
escolha da estatal francesa DCNS, não está conseguindo receber faturas de obras
já concluídas, da ordem de R$ 300 milhões, o que inviabiliza a continuidade da
obra. Em decorrência, hoje, o clima em Itaguaí é de desânimo. Os homens em
trabalho, que poderiam chegar a 9.000, estão reduzidos a 1.100, que se
entreolham espantados, ante a hipótese de ali ficarem somente 80, protegendo aquele
portento inconcluso contra furtos e roubos…
O país sofre
com a grave crise do capital internacional, iniciada em 2008 e até agora não
debelada. Ao mesmo tempo combate um desmedido esquema de corrupção que agia
dentro e fora da Petrobras. A produção cai, o desemprego cresce, a estagnação
perdura e há o espectro da instabilidade política.
É evidente que
para sair desse imbróglio há que se perseguir, com toda determinação, a
retomada do crescimento, forma eficaz para espancar a crise política. Por isso
é que há qualquer coisa de gravemente errado, quando se combate a corrupção
paralisando o país.
No
enfrentamento do esquema corrupto que a operação Lava Jato desmascarou,
desencadeou-se um processo que teve sua eficácia, que prendeu corruptos e
recapturou dinheiro público; mas que despertou dúvidas quanto a sua lisura,
pelos “vazamentos” unilaterais de depoimentos sigilosos; pelo ativismo judicial
invulgar, que pode sugerir magistrado tomando partido na causa; pelo tempo
excessivamente longo de prisões preventivas, parecendo uso ilegal do
cerceamento da liberdade para forçar confissões e acordos de delação e, enfim,
pelo duvidoso acato ao princípio da presunção da inocência. Mas há outras
questões graves.
A Lava Jato
mostrou não apenas empresas brasileiras envolvidas em corrupção, mas também
estrangeiras. Grandes estaleiros de Cingapura, a Jurong e Keppler Fels, a
prestadora italiana de serviços, Saipem, e as gigantes japonesa e coreana,
Mitsui e Samsung, estão entre os envolvidos na Lava Jato.
Ocorre que
delações que levaram empresários brasileiros à prisão, também foram feitas
contra estrangeiros, mas, nenhum dirigente de empresa estrangeira sediada no
Brasil foi preso, nenhuma de suas casas foi invadida. E enquanto as
empreiteiras brasileiras, acusadas de suborno, já não podem firmar contrato com
a Petrobras e o Poder público, as estrangeiras, com acusações semelhantes,
continuam negociando com a estatal. A japonesa Mitsui, acusada de gestão
corrupta que envolve o presidente da Câmara, nada sofreu e está se tornando
sócia da Petrobras, na Gaspetro.
Finalmente,
entre as 23 empresas brasileiras que apareceram no curso das averiguações,
estão as maiores de engenharia e construção pesada do país, como a Odebrecht,
que está à frente das obras de Itaguaí. A Petrobras e o Poder público
suspenderam relações com todas. Se forem consideradas “inidôneas”, não serão
mais contratadas por órgão público, o que contribuirá decisivamente para
mergulhar o país na estagnação.
A corrupção
deve ser apurada sem dúvida, os culpados exemplarmente punidos e os recursos
desviados, devolvidos. Mas as empresas onde os corruptos agiam, não podem ser
condenadas ao desaparecimento. Se isto ocorre, a retomada do desenvolvimento
pode ficar inviabilizada a curto prazo, o que é contra o país. As saídas
jurídicas, tipo acordo de leniência, impõem-se.
Ademais, se
aniquilarmos a engenharia brasileira de grandes obras, estaremos graciosamente
entregando toda essa faixa do mercado nacional a empresas estrangeiras. E ante
o mundo incrédulo com tamanho absurdo, passaríamos a ridícula idéia de que, a
nosso juízo, os grandes empresários brasileiros são corruptos e os estrangeiros
honestos!
Punir os
culpados é necessário. Mas é necessário também salvaguardar a Petrobras, as
grandes empresas nacionais de engenharia e retomar o crescimento do país.
Haroldo
Lima é engenheiro, foi deputado federal pela Bahia e diretor-geral da Agência
Nacional do Petróleo, Gás Natural e Bicombustíveis, e é da Direção Nacional do
PCdoB.
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