Fazendo o que seus avós fizeram em tempos passados...
Maksandro Souza*
Ao longo dos anos a tradicional festa do carnaval do
Recife tem sido palco de disputas no terreno simbólico sobre o caráter e a
forma da folia. Olhando-o com mais atenção é possível identificar expressões
carnavalescas nascidas entre as camadas populares urbanas e outras patrocinadas
por segmentos mais abastados da população. Duas manifestações (uma mais antiga
e outra atualíssima) são emblemáticas do sentido e do significado que este
último segmento gostaria de dar à folia.
Muito popular entre as elites recifenses, o corso
surge no inicio do século XX como uma alternativa dos mais favorecidos para
transformar o espaço público da festa. Como explica Rita de Cássia Barbosa de
Araújo, o cortejo seguia á moda europeia, em carros ornamentados, “onde as
famílias abastadas divertiam-se atirando confetes, serpentinas e lança-perfumes
umas às outras”. O entrudo civilizado projetava um carnaval espetáculo, feito
para os poucos bem-nascidos. À populaça caberia tão somente os aplausos, a
contemplação e no fundo o reconhecimento de que a festa e o espaço urbano não
lhes pertenceriam e sim à fidalguia rica e letrada.
Excludentes e elitistas, os camarotes de hoje parecem
ser a atualização do ideal de carnaval das elites urbanas. Frequentar um desses
espaços representa uma forma de não estar junto e tão pouco misturado ao povão.
Busca-se um ambiente controlado e seguro, negando as evidências de que a
segregação é a maior promotora da violência.
Simulacro de folia, os camarotes nutrem-se da
necessidade que parcelas do público sentem de se diferenciar pelo consumo.
Foliões tornam-se consumidores. Para satisfazê-los, cerca de duas dezenas de
produtores da cidade se esmeram em oferecer uma estrutura invejável: open bar,
boate e banheiros climatizados, spa, decoração temática, espaço gourmet, piso
easyfloor em vez de ruas abarrotadas... Não faltam, é claro, referências a
produtos premium e prime. Para se excelir da feroz concorrência alguns chegam a
prometer inefáveis “experiências sensoriais e interativas”, seja lá o que isso
for.
Resta o consolo de que os camarotes são fenômenos
presentes em outros carnavais. Há muito tempo fazem sucesso nas passarelas do
samba no Rio de Janeiro e em São Paulo. São quase uma instituição do carnaval
soteropolitano onde ainda convivem com os blocos segregados por cordas.
Felizmente, prevalece em Recife um carnaval popular, apoiado nos estratos mais
humildes do nosso povo e em suas agremiações, algumas mais que centenárias,
como Vassourinhas (1889), Pás (1890) e Lenhadores (1897).
Na cidade rebelde a todos é assegurado o direito
de brincar, pular, amar e encher a cara. Fantasiar-se de rei, quando pobretão.
De freira, chinês, maltrapilho, enfermeira, mangue-boy. Nas ruas, o
indispensável contato com o outro fortalece vínculos sociais tão caros à
convivência democrática. O reinado de momo é comandado por clubes, blocos,
troças, ursos, escolas de samba (sim, aqui tem samba!) e caboclinhos. Ao som do
maracatu e do frevo reafirma-se a pernambucanidade, um jeito de ser mais
brasileiro.
*Economista
Leia mais sobre temas da atualidade: http://migre.me/kMGFD
Nenhum comentário:
Postar um comentário