A Operação Lava Jato e a disseminação do fascismo
Aldo Fornazieri, no Jornal GGN
Hoje em dia é quase proibido ser petista no Brasil. Qualquer pessoa que
seja identificada como militante ou simpatizante do PT é agredida verbalmente e
corre o risco de ser agredida fisicamente. As agressões verbais de que foi alvo
Chico Buarque são apenas um exemplo do que vem ocorrendo com milhares de
pessoas pelo país a fora. Esse clima de violência verbal e física, de
linchamento, vem sendo estimulado pelo juiz Sérgio Moro, pelos procuradores da
Lava Jato, por setores da Polícia Federal, por políticos como Aécio Neves,
Carlos Sampaio e Ronaldo Caiado, por grupos de extrema direita que pedem a
volta dos militares e por setores da mídia. Petistas e simpatizantes honestos,
que não praticaram nenhum crime, são criminalizados e perseguidos por essa onda
fascista que se alastra na opinião pública.
É certo que o PT, pelos seus erros e pela arrogância exclusivista de se
pretender a expressão da verdade num passado recente, também contribuiu para a
geração desse ambiente. A virulência com que atacou Marina Silva na campanha,
por exemplo, deixou muitos ressentimentos. Mas em favor dos petistas há que se
dizer que não criaram um movimento persecutório e excludente, verbal e
fisicamente, de adversários como este que se vê agora.
A operação Lava Jato, de ação mais republicana da Justiça brasileira,
por ter prendido ricos poderosos envolvidos com a corrupção, descamba
rapidamente para uma ação persecutória a serviço de interesses partidários e
econômicos. O juiz Sérgio Moro e os procuradores da Lava Jato são, cada vez mais,
a expressão de um paradoxo que mistura terror jacobino e reação termidoriana.
Em nome do moralismo, por um lado, agem cada vez mais como um grupo de
Robespierres, deixando de lado a técnica jurídica, a imparcialidade, a
prudência que se requer de suas funções e a conduta comedida. Emitem juízos e
prejulgamentos em despachos, ofícios e justificativas de operações e prisões,
promovendo uma verdadeira suspensão das garantias individuais e do direito à
defesa, atribuindo-se um poder excepcional que fere claramente o Estado de
Direito. Neste lado da coisa, é como se o juiz Moro se elevasse à condição de
“presidente do Comitê de Salvação Pública”.
Robespierre à luz do dia, o juiz Moro nega esse personagem à noite e se
transveste de Paul Barras que quer instaurar um governo do Diretório através de
um golpe de Estado para restituir o poder às elites com o apoio da Polícia
Federal. Quer liquidar toda a ameaça representada pela “revolução petista”,
pela participação do povo, coisas identificadas com a corrupção.
As decisões de Moro e de seu grupo são politicamente orientadas. As
operações visam provocar dano político ao PT e ao governo. Na semana passada
era aniversário do PT e desencadeou-se a operação para prender João Santana
logo depois deste ter-se oferecido para depor. Não foi a primeira coincidência.
Entre outras, na véspera da viagem de Dilma aos Estados Unidos em 2015,
divulgou-se que os ministros Edinho Silva e Aloísio Mercadante estariam
envolvidos com o escândalo da Petrobrás.
Moro e os procuradores assumiram um ativismo político e moral
incompatível com a imparcialidade que se espera de um juiz e do Ministério
Público. Transformaram a Lava Jato numa peneira, com vazamentos calculados,
seletivos e politicamente orientados, num conluio inescrupuloso com setores da
mídia, com o objetivo de produzir danos políticos ao governo e ao PT e de
estimular o processo de impeachment.
O caminho da violência política
A estratégia de Moro e dos procuradores consiste no seguinte: lançam-se
suspeitas, desencadeia-se operações, prende-se pessoas, promove-se uma pressão
psicológica visando delações, e, em muitos casos, quando a pescaria é frustrada
pelos fatos, liberta-se os presos sem maiores explicações. A síntese:
primeiro acusa-se, depois buscam-se provas. Na boa técnica policial e jurídica,
antes buscam-se fatos e depois acusa-se. Em muitos casos da operação Lava Jato,
isto tudo está invertido.
Por tudo o que se sabe acerca do processo penal, o Ministério
Público não pode ser visto nunca como parte formal do processo. A finalidade do
Ministério Público não é obter a condenação, mas a de conduzir-se pela
objetividade estrita dos fatos. Moro e os procuradores não só se toraram parte
da operação Lava Jato, mas se alçaram à condição de juízes subjetivos dos
suspeitos emitindo condenações, antes do devido processo legal. Moro foi mais
longe: tornou-se o juiz universal da corrupção no Brasil.
Se é verdade que o juiz precisa ter garantida a sua independência em
face do poder político e da estrutura administrativa superior do próprio
judiciário, ele está submetido também aos sistemas de impedimento e suspeições
para que seja garantida a sua imparcialidade. No caso do juiz Moro, pelos
juízos subjetivos emitidos e pelas decisões politicamente orientadas que vem
adotando, parece evidente que ele se coloca cada vez mais na linha de suspeição
de que não é imparcial. É legítimo, portanto, que se questione a sua presença
no processo.
O terror moralista dos condutores da Lava Jato e seu engajamento
político tem como face complementar o clima de linchamento político e de
violência verbal e física que cresce e se dissemina em vários setores sociais.
As pregações persecutórias dos grupos de extrema-direita a la Bolsonaro, de
Aécio Neves, de Ronaldo Caiado e de Carlos Sampaio são como a infantaria de
vanguarda das atitudes e condutas protofascitas que se verificam tanto em
setores sociais, quanto em setores de mídia. Na mídia, os suspeitos também são
previamente condenados.
As práticas fascistas se viabilizam pelas ameaças veladas ou abertas, acusações
sem fundamento, afirmações infundadas, condenações subjetivas, violação ao
direto de argumentar e interdição ao debate. Os xingamentos a quem
pondera as decisões dos operadores da Lava Jato, a quem cobra a imparcialidade
da Justiça, a quem defende a investigação igual de todos os partidos e de todos
os casos de corrupção são consequências desse movimento articulado dos
operadores da Lava Jato e do sentimento de poder absoluto que eles emanam e que
setores da mídia promovem. O estado de exceção que eles instauraram no processo
investigatório e judicial se dissemina como direito excepcional que a mídia se
dá de condenar previamente e que as pessoas se dão de agredir verbal e
fisicamente os que pensam de forma diferente sobre a Lava Jato ou que simpatizem
com o PT e o governo.
No século XX, os movimentos e práticas fascistas sempre se viabilizaram
em confronto com a lei. A violência verbal e física, o clima de linchamento
político e moral, a intepretação própria do conjunto de leis estabelecidas, a
parcialidade de juízes e de agentes públicos foram práticas que visaram negar
os consensos jurídicos, legitimar a ilegalidade e viabilizar a arbitrariedade e
o medo. Em nome da justiça e da condenação da corrupção, caminha-se para negar
a legalidade. O legado destes processos, todos sabem: é a violência política e
a desmoralização do próprio judiciário enquanto instrumento da justiça e da
legalidade. Parece que é isto o que querem os protofascistas incrustrados no
judiciário, no Ministério Público, em setores da política, da mídia e da
sociedade.
Aldo Fornazieri –
Professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo.
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