Cintia Alves, Jornal GGN
Nesta
sexta-feira (19), a Folha de S. Paulo publicou uma página inteira no caderno
Poder dedicada a um balanço raso do governo de Michel Temer (PMDB), que
sobreviveu aos 100 primeiros dias sem grandes arranhões. Pudera. A blindagem da
grande mídia, um dos setores que patrocinou o impeachment de Dilma Rousseff
(PT), é parte do roteiro.
João Feres
Junior, quando da edição fraudulenta de uma pesquisa do Datafolha para dar
a Temer alguma aceitação entre populares, disse ao GGN que a imprensa vive um
"esforço duplo". "Tem de elogiar Temer ou fazer cobertura
neutra, com destaque para política econômica ou coisas positivas e, ao mesmo
tempo, tratar Dilma como passado."
Temer, como
uma peça "café-com-leite" no jogo político atual, goza da tolerância
da imprensa com seu governo até que a presidente eleita seja afastada
definitivamente e suas ações não sejam questionadas por falta de legitimidade,
apontou o cientista político.
Com esse mesmo
pensamento, o mercado, outro setor responsável por Temer sentar hoje na cadeira
que pertence à Dilma, também faz vista grossa aos passos desastrosos do
interino na economia - como a aprovação de aumentos salariais para servidores
quando a promessa era de ajuste fiscal dos duros.
Aécio Neves,
presidente nacional do PSDB, subiu o tom contra essa agenda com "sinais
trocados" na economia, para lembrar a Temer que ele tem uma fatura a
quitar - e não é apenas com deputados e senadores que votaram a favor do
afastamento.
Se comparada
com o que foi durante as semanas que antecederam o início do processo contra
Dilma na Câmara, até a Lava Jato parece ter dado uma folga a Temer. Depois de
derrubar alguns ministros - entre eles, Romero Jucá (PMDB), que continua
mostrando poder de fogo dentro do governo - a força-tarefa desacelerou os
vazamentos, um de seus instrumentos políticos.
Em março,
quando o impeachment caminhava para apreciação dos deputados, a Lava Jato bateu
recorde de capas da Folha com denúncias que criaram o clima para o impeachment.
No governo interino, para o descontentamento dos petistas que apostavam na
operação como fator imprevisível para sacudir o governo Temer, nada
aconteceu.
Nem a
pré-delação da Odebrecht, em que Temer aparece pedindo R$ 10 milhões para a
contabilidade extraoficial do PMDB, botou medo no Planalto - que fez questão de
divulgar a versão de que caixa dois de campanha não é crime com alto potencial
punitivo no Brasil. Tampouco foi motivo para bateções de panelas e protestos na
Paulista.
Na quinta
(18), em entrevista à imprensa internacional, Dilma pareceu reconhecer que as
ruas também não fizeram o barulho esperado diante do atentado à democracia que
é o impeachment sem crime de responsabilidade fiscal provado. Sequer houve
consenso entre os setores progressistas que apoiam o "Fora, Temer" -
metade saiu em defesa de novas eleições; metade, não. E "tudo bem",
disse a presidente. É só prova de "pontos de vista divergentes".
O que não
pode, segundo a presidente, é haver silêncio diante dos
"retrocessos".
O primeiro
deles, segundo ela, foi escalar um ministério sem representatividade para
negros, mulheres e outros segmentos que não de homens, brancos e ricos. Temer
lançou-se na presidência acompanhado de um primeiro escalão
"notável". Um terço é citado em alguma investigação criminal. Mais da
metade é indicação de partidos que apoiaram o impeachment.
O corte de
pastas para mostrar compromisso com a boa gestão de recursos públicos também
não foi bem digerido por setores da sociedade. Sob protestos, Temer teve de
recuar com a extinção do Ministério da Cultura.
Enquanto isso,
os demais ministérios seguiram promovendo uma faxina geral para demitir
comissionados herdados do governo Dilma. A ideia era "desaparelhar" o
Estado.
Desaparelhar
também foi palavra usada na EBC, quando esta começou a sofrer interferência
política com a troca de seu presidente. Após a judicialização da disputa, Temer
prometeu desmontar a empresa pública de comunicação via Medida Provisória, a
ser lançada no próximo mês.
O atentado à
imprensa independente, com corte de verba para blog e sites acusados de
"alinhamento com o PT" saiu em uma semana. Cerca de R$ 11 milhões em
contratos publicitários foram suspensos por uma suposta "economia"
que não representa nem 1% do orçamento da Secretaria de Comunicação da
Presidência.
Outro
"retrocesso" citado constantemente por Dilma são as mudanças
aplicadas no regime de partilha do pré-sal, além da implementação de uma
política dita "bilateral e subserviente ao imperialismo" no plano
internacional, adotada por José Serra (PSDB) no Ministério das Relações
Exteriores.
Na saúde, o
medo de "desmonte" também é grande, segundo a petista. O governo
interino lançou a ideia de criar um convênio popular, visto como uma maneira de
desmontar o SUS (Sistema Único de Saúde). Uma comissão já foi instaurada para
tirar esse projeto do papel.
Saltam aos
olhos as políticas adotadas no Ministério da Educação que, agora se dizendo
voltado para os ensino médio e fundamental, paralisou programas de fomento no
âmbito do ensino superior. Da mesma maneira, políticas como Minha Casa, Minha
Vida mudaram de foco: agoram passam a atender um público alvo que, em tese, tem
condições de pagar seu próprio financiamento.
Mudanças na
aposentadoria privada e nas leis trabalhistas também estão no forno, pois não é
mais possível cruzar os braços diante do rombo da Previdência nem diante do
desemprego - que continuou crescendo sob Temer.
Essas
reformas, assim como a política - com o objetivo de reduzir o número de
partidos políticos e, quem sabe, dar anistia aqueles que temem ser pegos por
caixa 2 na Lava Jato - devem entrar na pauta após as eleições municipais. Este
é o mesmo prazo para que Temer lance seu plano de concessões e privatizações.
Se os
primeiros 100 dias Temer pôde levar, em grande parte, em banho-maria, certo é
que o fim do impeachment vai lhe cobrar mudanças duras e na mesma velocidade
com a qual ele foi de vice decorativo a presidente da República.
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