17 maio 2020

A poética instigante de Jacqueline


Hoje
Jacqueline Torres

Hoje eu quero o poema mais triste
as trevas mais densas da noite
o peso das pedras sobre as horas
o mais inóspito e insípido silêncio.

Hoje eu quero deixar de ser
nem ave, nem nuvem, nem abismos
A feroz solidão
       do perdido
o extravio dissecado dos sonhos.

Hoje, por hoje dorme ao pé da porta
minha própria ausência
cercada de mariposas e velas
Sobre os muros
       nada se enxerga
Porque por hoje
tudo se preencheu de intervalos.

Hoje eu quero o poema mais triste
a lágrima abstrata
       que ninguém perscruta
o verso estúpido sangrado numa folha.

Hoje eu quero o poema mais triste
porque não caibo mais em mim
Mas já não sou de pássaros
nem de seiva
nem do ígneo desejo dissoluto.

Hoje eu quero o poema mais triste
que me leia pausadamente à janela
Enquanto disseco as contas das sombras
       nos dedos
para aliviar este insolúvel cansaço.
Hoje... eu quero o poema mais triste.
Jacqueline Torres é educadora, militante comunista, ativista do movimento feminista, membro da Academia Pesqueirense de Letras e Artes - APLA; da Sociedade dos Poetas e Escritores de Pesqueira - Sopoespes; e do movimento de mulheres Sertão Poética.

[Ilustração: Bruce Wolfe]

Fique sabendo https://bit.ly/2Yt4W6l

2 comentários:

Unknown disse...

Parabéns Jaqueline!!! Lindo demais seu poema!💯👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏

Unknown disse...

Que riqueza de imagens, que densidade de conteúdo, confreira Jaqueline! Parabéns!