O prazer à mesa é relativo
Luciano Siqueira
Daqui a uns dias teremos completado
dois meses de reclusão domiciliar em razão da pandemia do novo coronavírus.
Com uma surpresa: monotonia zero.
Pelo trabalho, que é intenso, e pelas
múltiplas descobertas que Luci e eu vamos acumulando no dia a dia. Nunca havíamos
permanecido juntos em nosso pequeno apartamento por tanto tempo!
O Partido se mexe de todas as
maneiras, valendo-se da comunicação digital para contornar as duras regras do
isolamento social. Boas reuniões, algumas ótimas – mas as videoconferências
cansam um pouco, reconheço. Sobretudo quando não se pactuam regras claras:
tempo de intervenção, modo de pedir a palavra pelo chat...
E tem os instantes de puro devaneio.
Como hoje, ao constatar pela enésima
vez minha absoluta incapacidade na cozinha, pus-me a relembrar pratos “maravilhosos”
em algumas circunstâncias.
Ainda estudante, muitas vezes almocei
na inesquecível Vestal, ali na esquina da Rua do Hospício com a Imperatriz. A pedida
era sempre a mesma: macarronada a cavalo!
Afeiçoei-me tanto àquele prato feito
simples – sobre o macarrão, uma rodela de tomate, um pedacinho de pimentão
verde e um ovo frito ao gosto do freguês – que cheguei a pedir a minha mãe
Oneide que o reproduzisse em casa.
- Meu filho, coma uma coisinha melhor!
Nos tempos duros da militância
clandestina, almocei muitas vezes uma macarronada à bolonhesa numa lanchonete
situada na Praça do Ferreira, em Fortaleza. Tão volumosa quanto precária, uma
espécie de trégua para a fome que retornaria antes da tarde cair.
O dinheiro muito curto, viagens
longas, quantas vezes o café da manhã o tomei em alguma barraca de mercado
público!
Aí nem pestanejava: uma banana cozida,
um copo duplo de leite pingado. Eu botava quase meio copo de açúcar, para
aumentar a glicose, quem sabe.
O fato inquestionável que a vida
ensina é este: o melhor cardápio depende da ocasião. Pois tudo é relativo – inclusive
o prazer à mesa.
[Ilustração: Moise Kisling]
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