Pós-pandemia
de quê?
Rogério Morais*
Após o controle da COVID19 será o fim
da pandemia, entraremos, assim, em um “novo normal”, como já se denomina o
retorno ao período de estabilidade das rotinas da humanidade? Muitos defendem
que estaremos transformados, com novos hábitos, com uma visão diferenciada em
vários aspectos sociais.
Sou do time que acredita em uma
mudança. A experiência da quarentena, do convívio com o contágio e com a perda
de entes queridos tem sido emocionalmente muito forte para que não afete nossa
memória e comportamento. Mas me assusta a possibilidade natural de em um dado
momento voltarmos a nos acomodar e não percebermos que já vivíamos em profundo
desequilíbrio sistêmico, seja no âmbito econômico, social ou ambiental.
A falta de acesso a uma infraestrutura
de saneamento ou à água potável já matava ou potencializava a contaminação de
diversas doenças. A desigualdade alarmante continua seu crescimento galopante
das últimas décadas, segregando a sociedade em distintos níveis de
oportunidades e acesso a direitos básicos universais. A fome continuará a
assolar mais de 800 milhões de pessoas no mundo (dados da ONU, relativos ao ano
de 2018). As mortes violentas dizimam nossos jovens. A temperatura do planeta registra
os maiores crescimentos dos últimos dois mil anos (segundo dados da Revista
Nature Geoscience). E ainda há a corrupção, o tráfico de drogas, a violência
contra a mulher... Enfim, não faltariam temas relevantes com os quais
convivemos com “naturalidade” desde a pré-pandemia.
Torço para que esta seja mais uma
externalidade positiva do processo tão dolorido que estamos passando. Que estas
reflexões abram um novo olhar sobre os “invisíveis”, nos tirem da inércia da
naturalização e impulsionem uma percepção menos egocêntrica e mais
ecocentrista. Otto Scharmer define bem este contexto em seu livro Liderar a
partir do futuro que emerge: “O problema somos nós. Somos nós que consumimos
recursos além da capacidade de regeneração do nosso planeta. Somos nós que
participamos de esquemas econômicos que replicam o divisor de renda, o
consumismo e a bolha da estafa que o acompanham”.
Que seja mantido o nível de esforço
para enfrentar outras tantas pandemias tão graves quanto esta, mesmo que elas
ocorram em outras regiões da cidade, em outros países ou outras famílias.
Fazemos parte de um grande coletivo e a felicidade dos outros parece ser um dos
elementos para um equilíbrio geral.
*Secretário Executivo para a Primeira Infância do
Recife
[Ilustração: Arshile Gorky]
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