Creio que não há precedentes na história do Brasil: um presidente da República, no exercício do mandato, alvo de tantos inquéritos decorrentes dos seus atos provocativos contra a democracia. Nessa matéria publicada hoje na Folha de S. Paulo uma síntese do imbróglio institucional. (LS).
Supremo e TSE analisam 7
investigações que podem atingir Bolsonaro e seu entorno
Casos sensíveis ao presidente da
República e apoiadores tramitam nas áreas criminal e eleitoral
Marcelo Rocha e Matheus Teixeira, Folha de S. Paulo
O
STF (Supremo Tribunal Federal) analisa atualmente cinco inquéritos que miram o
presidente Jair Bolsonaro,
seus filhos ou apoiadores na área criminal. Já no TSE (Tribunal Superior
Eleitoral) tramitam outras duas apurações que envolvem o chefe do Executivo.
Apesar
de a maioria estar em curso há mais de um ano, essas investigações foram
impulsionadas nos últimos dias após a escalada nos ataques
golpistas do chefe do Executivo a ministros das duas cortes e a
uma série de acusações sem provas de fraude nas eleições.
Na
apuração mais recente, determinada nesta quinta-feira (12) pelo ministro do
Supremo Alexandre de Moraes, o mandatário será investigado por suposto vazamento de
informações sigilosas de inquérito da Polícia Federal instaurado
em 2018 para averiguar invasão hacker a sistemas eletrônicos da Justiça
Eleitoral. A apuração foi proposta pelo TSE.
Na
sequência de atos das últimas semanas, Moraes determinou a retomada da apuração
sobre a suposta interferência do presidente no comando da PF, um inquérito que
estava parado havia quase um ano. O ministro é o relator da maioria dos casos
em tramitação no Supremo.
Também em reação às falas de Bolsonaro, o ministro incluiu o
presidente como investigado no inquérito das fake news, a pedido do presidente
do TSE, Luís Roberto Barroso.
Moraes
e Barroso são atualmente os alvos preferenciais das críticas bolsonaristas.
Há pendente um pedido do corregedor-geral eleitoral,
ministro Luís Felipe Salomão, para o compartilhamento de provas dos inquéritos
das fake news e dos atos antidemocráticos com a ação que pode levar à cassação
do presidente no TSE.
A ação tem o objetivo de apurar se a chapa de Bolsonaro e
do vice, Hamilton Mourão (PRTB), foi beneficiada com a disseminação sistemática
de fake news via WhatsApp nas eleições de 2018.
A investigação foi iniciada após a Folha revelar
a existência de um esquema bancado por empresários apoiadores do
presidente para o disparo em massa de notícias falsas.
Cabe também a Moraes deliberar sobre uma proposta da PF
para ter acesso a informações da CPI das Fake News para eventual aproveitamento
no inquérito que destrincha o funcionamento de uma quadrilha digital
responsável por ataques à democracia na internet.
Nesse caso, filhos e auxiliares palacianos do presidente
foram mencionados na investigação.
Procurado pela Folha,
o advogado Frederick Wassef, defensor do clã Bolsonaro, negou as condutas
criminosas que são atribuídas à família.
Integrantes da corte e da PGR (Procuradoria-Geral da
República) consideram a possibilidade de que as investigações que envolvam
Bolsonaro e aliados avancem até 2022, quando ocorrem as eleições.
Moraes já demonstrou que não pretende abreviar a duração
os casos sob sua condução.
Em decisão recente, ele acatou pedido da PGR para
arquivar o inquérito dos atos antidemocráticos, como ficaram conhecidas as
manifestações de bolsonaristas que pediam o fechamento de instituições como o
STF.
No entanto, o ministro determinou a abertura de outro
inquérito sobre a existência de uma organização criminosa digital voltada a
atacar a democracia.
A
primeira apuração a mirar o bolsonarismo foi o inquérito das fakes news, aberto de
ofício em março de 2019 pelo então presidente da corte, ministro Dias Toffoli.
Não
foi delimitado um objeto específico ou um grupo sob suspeita, mas Toffoli
afirmou que a medida era necessária "considerando a existência de notícias
fraudulentas, denunciações caluniosas, ameaças e infrações que atingem a
honorabilidade do STF, de seus membros e familiares".
No
âmbito desse inquérito, Moraes já determinou medidas de busca e apreensão que
miraram congressistas, empresários e blogueiros bolsonaristas.
No
ano passado, um novo inquérito foi aberto após as primeiras decisões do Supremo
relativas às ações e omissões do governo federal no combate à Covid-19.
As
canetadas dos magistrados desagradaram o presidente, e seus apoiadores passaram
a se manifestar nas ruas para defender o fechamento do tribunal. Um dos
encontros, na frente do QG do Exército, em Brasília, contou com a participação
de Bolsonaro.
Sob
pressão interna e de ministros do STF, o procurador-geral da República, Augusto
Aras, criticado por seu alinhamento aos interesses do governo, pediu a abertura
do inquérito dos atos antidemocráticos.
Em
oito meses de apuração, a partir de buscas e quebra de sigilos bancário e
telemático, a PF coletou informações sobre influentes nomes do bolsonarismo,
como o ex-secretário de Comunicação Fabio Wajngarten, o blogueiro Allan dos
Santos e o empresário Otávio Fakhoury.
Em
dezembro, a polícia enviou a Moraes um relatório inconclusivo sobre a
investigação, apontando a necessidade de aprofundamento de uma série de pontos.
A
Procuradoria, por sua vez, defendeu o arquivamento perante o Supremo e o envio
de alguns nomes apontados pela polícia para a primeira instância.
Moraes
afirmou que os eventos identificados pela PF deveriam ter a investigação
aprofundada no próprio STF em vez de serem remetidos à primeira instância.
Surgiu, então, o inquérito com o objetivo de apurar a existência de uma quadrilha
digital.
O
ministro fez referências ao deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) 12
vezes na decisão.
Moraes
citou também Bolsonaro e outros dois filhos dele, o senador Flávio (Patriota-RJ)
e o vereador Carlos (Republicanos-RJ) ao abordar análise que a PF fez sobre
contas inautênticas derrubadas pelo Facebook.
Um
dos inquéritos em que Bolsonaro consta expressamente como investigado foi
instaurado após o pedido de demissão do ex-ministro da Justiça Sergio Moro.
O
ex-juiz da Lava Jato deixou o Executivo sob o argumento de que não teria
aceitado a pressão do presidente
para interferir na PF a fim de proteger parentes e amigos.
A
PGR pediu a abertura de investigação sobre o caso e listou oito crimes que
podem ter sido cometidos: falsidade ideológica, coação no curso do processo,
advocacia administrativa, obstrução de justiça, corrupção passiva privilegiada,
prevaricação, denunciação caluniosa e crime contra a honra.
De
acordo com interlocutores do PGR, Moro pode ser enquadrado nos três últimos e
Bolsonaro, nos seis primeiros.
A
apuração do caso está travada desde setembro. O inquérito foi paralisado após o
ex-ministro do STF Celso de Mello obrigar Bolsonaro a depor presencialmente e o
presidente recorrer.
Na
ocasião, Celso estava de licença médica e o recurso foi remetido a Marco
Aurélio, que suspendeu o depoimento presencial e encaminhou o debate ao
plenário da corte.
Desde
então, o presidente do Supremo, Luiz Fux, não levou o julgamento do caso ao
plenário. A previsão é que isso ocorra no fim de setembro.
Outro
inquérito em que Bolsonaro figura como investigado foi aberto no dia 3 de julho
deste ano. O caso chegou à corte após três senadores pedirem para o tribunal
investigar se o presidente prevaricou ao
ignorar denúncias de irregularidades nas negociações relativas à vacina indiana
Covaxin.
A
ministra Rosa Weber foi sorteada relatora do processo e pediu a manifestação da
PGR a respeito.
A
Procuradoria afirmou que não iria se pronunciar sobre a necessidade de apurar o
envolvimento de Bolsonaro no caso antes do fim da CPI da Covid no Senado.
Rosa
Weber, porém, fez duras críticas ao parecer da PGR e mandou o órgão se
manifestar novamente sobre o tema.
Segundo
ela, a Constituição não reserva ao órgão "o papel de espectador das ações
dos Poderes da República" e não prevê a paralisação de investigações
enquanto uma Comissão Parlamentar de Inquérito estiver debruçada sobre o mesmo
tema.
Menos
de um dia depois, a Procuradoria recuou e pediu
a abertura de investigação contra Bolsonaro.
PRESIDENTE É VÍTIMA E NÃO AUTOR DE CRIMES, DIZ
ADVOGADO
O
advogado Frederick Wassef, que defende o clã Bolsonaro, disse à Folha que não há nada
contra o presidente da República e filhos.
Wassef
afirmou que "a todo momento criam crime que não existe, a cada hora com
personagem diferente, a cada hora com uma história diferente".
"O
produto é sempre o mesmo: a narrativa de fatos inexistentes, de crimes
inexistentes", disse. "De todos esses inquéritos, só tem uma
conclusão: o presidente é vítima, e não autor."
O
advogado negou também qualquer envolvimento do chefe do Executivo e dos filhos
com fake news ou atos antidemocráticos.
A
respeito do inquérito mais recente, sob a relatoria de Rosa Weber, Wassef disse
que "o presidente não praticou prevaricação". "Não existiu
qualquer crime ou corrupção. Não houve compra das vacinas, não houve gasto de
um único real de dinheiro público. Não há que se falar em crime", afirmou.
"Quem
cometeu prevaricação foi o senhor Luis Miranda", disse, em referência ao
deputado federal pelo DEM do Distrito Federal que afirma ter levado a denúncia
de irregularidades na compra da Covaxin ao presidente.
"Se
ele tomou conhecimento de um crime, ele ou seu irmão [Ricardo Miranda,
responsável pelo departamento de importação do Ministério da Saúde], eles
deveriam ter ido ao Ministério Público Federal ou à Polícia Federal e comunicar
os fatos. Ou seja, para as autoridades competentes. É Presidência da República,
não é delegacia de polícia, para se levar esse tipo de comunicação."
Segundo
ele, há um jogo orquestrado. "Não respeitam o resultado das urnas.
Bolsonaro foi eleito presidente. Têm de esperar a campanha eleitoral de
2022."
ENTENDA AS SETE INVESTIGAÇÕES
Supremo Tribunal Federal
Fake news A investigação iniciada em
2019 busca identificar autores de notícias falsas disseminadas nas redes
sociais contra ministros do Supremo e já resultou em busca e apreensão contra
apoiadores de Bolsonaro. A pedido do TSE, o ministro Alexandre de Moraes
incluiu o presidente entre os alvos. É provável que a apuração prossiga 2022
adentro
Quadrilha digital Fruto do inquérito dos
atos antidemocráticos, arquivado a pedido da PGR, a apuração busca identificar
grupo por trás de ataques à democracia na internet. Apoiadores do presidente
são alvos. Ao determinar a apuração, Alexandre de Moraes fez menção ao próprio
Bolsonaro e a seus filhos. A polícia abriu o inquérito em julho
Interferência no comando da PF Apuração
aberta após o ex-ministro da Justiça Sergio Moro atribuir a Bolsonaro tentativa
de implementar mudanças na cúpula da PF com o objetivo de proteger parentes e
aliados. Alexandre de Moraes determinou que a PF retome a investigação independentemente
do julgamento que o STF fará em setembro para definir o modelo de depoimento
que o chefe do Executivo prestará à polícia
Prevaricação no caso da vacina Covaxin A ministra Rosa Weber
determinou no início do mês de julho a abertura de inquérito para apurar a
acusação feita contra o presidente Jair Bolsonaro de que ele prevaricou no caso
da compra do imunizante indiano ao ser informado sobre irregularidades no
processo de aquisição e não acionar órgãos de investigação
Vazamento de inquérito sigiloso A pedido do TSE,
Alexandre de Moraes mandou apurar o vazamento de informações sigilosas de
inquérito instaurado em 2018 pela PF sobre uma invasão hacker a sistemas
eletrônicos da Justiça Eleitoral. As informações desse inquérito foram
divulgadas por Bolsonaro em live com o propósito de sustentar a acusação que
faz ao sistema eleitoral
Tribunal Superior Eleitoral
Disparos em massa via WhatsApp A
investigação do TSE foi iniciada nas eleições de 2018 após a Folha revelar a existência de um esquema
bancado por empresários apoiadores de Bolsonaro para o disparo em massa de fake
news. O tribunal pediu ao ministro Alexandre de Moraes o compartilhamento das
provas colhidas nos inquéritos da fake news e dos antidemocráticos
Fake news sobre urnas eletrônicas Por
sugestão do corregedor-geral eleitoral, ministro Luís Felipe Salomão, o TSE
abriu um inquérito administrativo para apurar a conduta de Bolsonaro, que, sem
apresentar provas, afirma que o sistema eleitoral é vulnerável a fraudes
.
Veja: Uma tremenda demonstração de fraqueza https://bit.ly/3lRLcVT
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