As
cores do arco-íris
Cícero
Belmar*
Se você quiser que todo mundo veja
uma coisa, esconda-a. Um aventureiro curioso vai procurá-la até achá-la. O
contrário também é verdadeiro. Quer escondê-la? Deixe-a bem à vista de todos,
ninguém dará a mínima. Essa contradição se ajusta com perfeição à Copa do Mundo
2022. O Catar, país-sede do campeonato, quis esconder a causa LGBTQIA+ e até o
início da competição parecia ter conseguido o intento. Até que os jogos
começaram.
Foram várias pressões. Desde
sexta-feira passada, os torcedores já podem exibir bandeiras do arco-íris nos
estádios. As autoridades locais relaxaram as regras e permitiram que os
visitantes internacionais expressem, nas arquibancadas, o apoio à comunidade
LGBTQIA+. Os policiais e seguranças receberam a última forma e estão
“pianinhos” (delicados), como se diz no Recife.
Sinal dos tempos, as organizações que
trabalham com a causa não precisaram mexer um dedo para acabar com a rigidez
dos princípios. Foram os próprios times, e os turistas, que colocaram a questão
em campo. A Dinamarca, por exemplo, ameaçou se desfiliar da Fifa porque foi
obrigada a retirar a braçadeira LGBTQIA+ dos seus jogadores. Antes, para se ter
uma ideia, uma bandeira de Pernambuco foi arrancada das mãos de uns turistas
porque os policiais acharam que era o símbolo da diversidade sexual. Pegou mal.
Parece uma digressão, e de fato é,
mas é preciso que se diga: não existe um único habitante de Pernambuco que não
tenha a certeza absoluta de que tudo no estado é especial, lindo e grandioso.
Principalmente a bandeira. Em Pernambuco a população nutre um sentimento
superlativo e de orgulho pelas coisas da terra. “Não quero humilhar ninguém,
quando digo que sou pernambucano”.
Por isso, aquilo que os neuróticos do
Catar fizeram com a minha, a sua, a nossa bandeira foi um sacrilégio. Repetindo
a indignação, tomaram a flâmula das mãos de pernambucanos que foram ver os
jogos da Copa, lançaram nossa imagem no chão e ainda tiveram a audácia de pisar
em cima dela. Como se, assim, humilhassem na orientação sexual das pessoas.
Para nós, a bandeira do estado não é
uma bandeira simplesmente. É uma instalação artística, é nossa metáfora de céu
azul anil, símbolo de um povo caloroso, nossa imagem para o mundo. É a nossa
voz orgulhosa que grita em linguagem de bandeira, para se destacar na multidão
e superar o nosso anonimato. Para quem não conhece, a bandeira de Pernambuco,
em linhas gerais, é bem colorida. Tem dois retângulos largos e horizontais. O
de cima é azul anil; o de baixo, branco.
A parte azul é o céu e tem um
arco-íris com tem três cores: vermelho, amarelo e verde. Foi ele quem causou o
mal-entendido no País do Oriente Médio. Aqui, o mesmo arco-íris simboliza a
união dos povos e faz referência à diversidade cultural. A polícia do Catar
achou que era a do movimento LGBTQIA+. No Catar, já se sabe, a diversidade vai
pro paredão.
Por pouco os pernambucanos não foram
às masmorras. Acabou tudo bem. O mais curioso, nesse episódio, é que quem
sofreu o preconceito, ao serem confundidos, foram pessoas, à princípio, de
orientação heterossexual. Confundidas se não como homo, foram, pelo menos, como
simpatizantes.
O preconceito é uma forma de olhar no
escuro da vida: os soldados do Catar revelaram, naquele gesto, o lado mais
deplorável da humanidade. Olharam para os pernambucanos que estavam com a bandeira
como muitas pessoas, no Brasil, olham, julgam e condenam o homossexual, a
travesti, a lésbica, as pessoas transgênero. O Brasil, como o Catar, também é
cruel com quem ousa ser diferente.
Os visitantes do país da Copa foram
classificados como indignos, por outros seres humanos, que se acharam
superiores, simplesmente porque não aceitam a causa LGBTQIA+. Preconceito,
quando é grande demais, vira exemplo pedagógico.
*Jornalista, escritor, membro da Academia Pernambucana de Letras
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