Até 40% do que resta da Amazônia já sofreu degradação, dizem
estudos
Danos ocorreriam hoje em
velocidade milhares de vezes maior do que no passado
Reinaldo José Lopes/Folha de S.
Paulo
Dois estudos que acabam de ser publicados apresentam um
diagnóstico preocupante dos impactos humanos sobre a Amazônia. Os trabalhos, com
coautoria de cientistas brasileiros, mostram que até 40% das áreas
remanescentes de florestas na região já sofreram algum tipo de degradação, e
que a velocidade das alterações ambientais ocorrendo agora pode ser
milhares de vezes maior do que em qualquer momento do passado.
Os levantamentos, que buscam sintetizar os principais dados obtidos
até hoje sobre a saúde dos ecossistemas amazônicos, estão na mais recente
edição do periódico especializado americano Science, um dos mais influentes do mundo.
"Conforme nos aproximamos de um ponto de virada
irreversível para a Amazônia, a comunidade global precisa agir agora.
Abordagens capazes de impedir os resultados mais negativos já foram
identificadas com sucesso, mas implementá-las é uma questão de liderança e
vontade política. Abandonar a Amazônia é abandonar a biosfera", escrevem
os autores de um dos artigos, adotando uma retórica de advertência severa que
raramente aparece em relatórios científicos.
O estudo cuja conclusão traz as frases acima busca
estimar as taxas atuais de alteração em dezenas de aspectos do ambiente
amazônico. O trabalho foi coordenado por James Albert, da Universidade da
Louisiana em Lafayette (EUA), e conta com a participação de pesquisadores de
diversas instituições brasileiras, entre eles o climatologista Carlos Nobre, do
Instituto de Estudos Avançados da USP (Universidade de São Paulo).
No segundo levantamento, uma equipe sob coordenação
de David Lapola, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), faz uma
radiografia dos principais processos de degradação florestal na Amazônia. Florestas
degradadas, embora não tenham sofrido "corte raso" –o desmatamento
propriamente dito– enfrentam problemas sérios, como danos causados pelo fogo,
por secas intensas e pela extração de madeira.
Além disso, o processo de desmatamento é capaz de degradar
áreas de mata que continuam de pé, porque a tendência é que elas fiquem
reduzidas a fragmentos florestais –ilhas cercadas por atividades agrícolas,
estradas ou mesmo áreas urbanas. Nesses fragmentos, passa a atuar o chamado
efeito de borda. Nesses casos, as áreas de floresta adjacentes a trechos não
florestados tendem a ser mais quentes, mais secas, com composição de espécies
diferente e mais sujeitas ao fogo. Tudo isso faz com que as características
originais da mata comecem a se perder naquele fragmento.
De acordo com os levantamentos, enquanto o corte raso já atingiu
cerca de 17% da área normalmente abrangida pelo bioma amazônico, os impactos da
degradação florestal podem ser muito mais amplos. A área total degradada, nesse
caso, chegaria a cerca de 2,5 milhões de quilômetros quadrados, ou 38% das
florestas remanescentes.
Diversos processos potencializados pela ação humana são
relevantes para os problemas detectados em ambos os estudos. Um dos que mais
têm assustado os pesquisadores é o aumento de eventos climáticos extremos na
região, o qual tem relação direta com a emissão desenfreada de gases causadores
do efeito estufa.
A equipe coordenada por David Lapola calcula, por exemplo, que
as duas grandes secas de 2005 e 2010 levaram à queima de uma área de mata com o
dobro e o quádruplo do tamanho médio anual dos incêndios florestais desde o
começo deste século. Já segundo o time capitaneado por Albert, tanto secas
quanto enchentes extremas atingiram a região em 9 dos últimos 15 anos. No
século passado inteiro, por outro lado, houve apenas sete desses eventos.
O grande problema, portanto, é que esses impactos não apenas
estão ficando mais graves como também estão se acelerando e ficando mais
comuns, em níveis que não se comparam a nada que a Amazônia enfrentou ao longo
de dezenas de milhões de anos de história evolutiva.
Isso tem consequências já visíveis no curto prazo. Além da perda
de biodiversidade e do assoreamento de rios, em muitos locais degradados a mata
está deixando de ser o que os pesquisadores chamam de um sumidouro de carbono
para se tornar uma fonte de carbono. Trocando em miúdos: enquanto o normal é a
floresta retirar gás carbônico da atmosfera por meio do
crescimento das plantas, mitigando, assim, o aquecimento causado por esse gás do efeito estufa, a
mata sob estresse pode acabar lançando mais gás carbônico na atmosfera,
ajudando a piorar seus próprios problemas.
Além disso, já está demonstrado que as chuvas
amazônicas dependem, em grande medida, da capacidade que a floresta tem de
reciclar a própria água que "transpira" –para ser mais exato, cerca
de metade dos 14,1 trilhões de metros cúbicos de água que despencam na região
todos os anos vêm da própria mata. As secas extremas, o fogo e o desmate
aumentam cada vez mais o risco de que essa torneira se feche, o que pode trazer
consequências péssimas para o clima de toda a América do Sul. Em última
instância, a degradação florestal poderia acabar com as características típicas
da Amazônia, transformando-a numa espécie de savana empobrecida.
Grande parte desses problemas pode ser resolvida
simplesmente cumprindo a lei, ao menos no caso do Brasil, mas abordagens mais
ambiciosas serão necessárias para minimizar significativamente o risco de um
colapso do ecossistema, dizem os pesquisadores.
O investimento em energias limpas no Brasil e no
mundo é indispensável para frear a mudança climática em nível global. Além
disso, em termos regionais, a Amazônia precisa iniciar sua transição para a
bioeconomia, com produtos de alto valor agregado baseados na biodiversidade da região
e um freio à expansão à agropecuária de exportação.
O sentido da “guerra” cotidiana
https://bit.ly/3Ye45TD
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