ChatGPT acende alerta vermelho para a busca do Google
Nova onda de chatbots pode
reinventar ou até mesmo substituir o mecanismo de pesquisa
Nico Grant e Cade Metz/The New
York Times-Folha de S. Paulo
Nas últimas três décadas, um punhado de produtos como o
navegador da web Netscape, o mecanismo de buscas Google e o iPhone da Apple
realmente viraram a indústria de tecnologia de cabeça para baixo e fizeram os
que vieram antes deles parecerem dinossauros pesados.
No mês passado, um chatbot experimental chamado ChatGPT foi apresentado como o próximo grande
disruptor do setor. Ele pode fornecer informações em frases simples e claras,
em vez de apenas uma lista de links da internet. Ele pode explicar conceitos de
maneiras que as pessoas conseguem entender facilmente. Pode até gerar ideias a
partir do zero, incluindo estratégias de negócios, sugestões de presentes de
Natal, temas de blogs e planos de férias.
Embora o ChatGPT ainda tenha muito espaço para melhorias, seu
lançamento levou a administração do Google a declarar um "código
vermelho" de emergência. Para o Google, foi como acionar o alarme de
incêndio. Alguns temem que a empresa esteja chegando a um momento que as
maiores empresas do Vale do Silício temem –a chegada de uma enorme mudança
tecnológica que pode virar o setor de cabeça para baixo.
Há mais de 20 anos, a máquina de pesquisas do Google serve como
o principal portal mundial para a internet. Mas, com um novo tipo de tecnologia
de chatbot pronto para reinventar ou mesmo substituir os mecanismos de busca
tradicionais, o Google poderá enfrentar a primeira ameaça séria ao seu negócio
principal de pesquisas. Um executivo do Google descreveu os esforços como
decisivos para o futuro da companhia.
O ChatGPT foi lançado por um laboratório de
pesquisa agressivo chamado OpenAI, e o Google está entre as muitas outras
empresas, laboratórios e pesquisadores que ajudaram a construir essa
tecnologia. Mas os especialistas acreditam que a gigante da tecnologia poderá
ter dificuldades para competir com empresas menores e mais novas que
desenvolvem chatbots, devido às muitas maneiras como a tecnologia pode
prejudicar seus negócios.
O Google passou
vários anos trabalhando em chatbots e, assim como outras grandes empresas de
tecnologia, usou agressivamente a tecnologia de inteligência artificial. O Google já construiu um chatbot que pode
rivalizar com o ChatGPT. Na verdade, a tecnologia central do chatbot da OpenAI
foi desenvolvida por pesquisadores do Google.
Chamado de LaMDA, ou Language Model for Dialogue Applications
(Modelo de Linguagem para Aplicativos de Diálogo), o chatbot do Google recebeu
enorme atenção no verão, quando um engenheiro da empresa, Blake Lemoine,
afirmou que era senciente. Isso não é verdade, mas a tecnologia mostrou o
quanto a tecnologia de chatbot melhorou nos últimos meses.
O Google pode estar hesitante em lançar essa nova tecnologia
como substituta para as buscas online, no entanto, porque não é adequada para
veicular publicidade digital, que respondeu por mais de 80% da receita da
empresa no ano passado.
"Nenhuma empresa é invencível; todas são vulneráveis",
disse Margaret O'Mara, professora da Universidade de Washington especializada
na história do Vale do Silício. "Para empresas que se tornaram
extraordinariamente bem-sucedidas fazendo uma coisa que definiu o mercado, é
difícil ter um segundo ato com algo totalmente diferente."
Como esses novos chatbots aprendem suas habilidades analisando
grandes quantidades de dados postados na internet, eles têm a capacidade de
misturar ficção com fato. Fornecem informações que podem ser tendenciosas
contra mulheres e pessoas não brancas. E podem gerar linguagem tóxica,
incluindo discurso de ódio.
Tudo isso pode virar as pessoas contra o Google e prejudicar a
marca corporativa que passou décadas construindo. Como a OpenAI mostrou, empresas mais novas podem estar mais
dispostas a se arriscar a reclamações, em troca de crescimento.
Mesmo que o Google aperfeiçoe os chatbots, ele deve abordar
outra questão: essa tecnologia canibaliza os lucrativos anúncios das buscas da
empresa? Se um chatbot está respondendo a perguntas com frases curtas, há menos
motivos para as pessoas clicarem em links de publicidade.
"O Google tem um problema de modelo de negócios",
disse Amr Awadallah, que trabalhou para Yahoo e Google e agora dirige a
Vectara, startup que está desenvolvendo tecnologia semelhante. "Se o
Google lhe der a resposta perfeita para cada consulta, você não clicará em
nenhum anúncio."
Sundar Pichai, CEO do Google, participou de uma série de
reuniões para definir a estratégia de IA do Google e derrubou o trabalho de
vários grupos dentro da empresa para responder à ameaça que o ChatGPT
representa, de acordo com um memorando e gravação de áudio obtidos por The New
York Times. Os funcionários também foram encarregados de inventar produtos de
IA capazes de criar obras de arte e outras imagens, como a tecnologia DALL-E da
OpenAI, usada por mais de 3 milhões de pessoas.
De agora até uma grande conferência que deverá ser realizada
pelo Google em maio, as equipes de pesquisa, confiança e segurança e outros
departamentos do Google foram realocados para ajudar a desenvolver e lançar
novos protótipos e produtos de IA.
À medida que a tecnologia avança, acreditam os especialistas do
setor, o Google deve decidir se reformulará seu mecanismo de busca e
transformará um chatbot completo em seu serviço principal.
O Google reluta em compartilhar amplamente sua tecnologia
porque, assim como o ChatGPT e sistemas semelhantes, ela pode gerar informações
falsas, tóxicas e tendenciosas. A LaMDA está disponível apenas para um número
limitado de pessoas por meio de um aplicativo experimental, o AI Test Kitchen.
O Google vê isso como uma luta para implantar sua IA avançada
sem prejudicar os usuários ou a sociedade, de acordo com um memorando visto
pelo Times. Em uma reunião recente, um diretor admitiu que as empresas menores
têm menos preocupações com o lançamento dessas ferramentas, mas disse que o
Google deve entrar na briga ou a indústria poderá seguir em frente sem ele, de
acordo com uma gravação de áudio da reunião obtida pelo Times.
Outras empresas têm um problema semelhante. Cinco anos atrás, a
Microsoft lançou um chatbot chamado Tay que vomitava linguagem racista,
xenófoba e obscena, e ela foi forçada a removê-lo imediatamente da internet
–para nunca mais voltar. Nas últimas semanas, a Meta derrubou um novo chatbot
pelos mesmos motivos.
Executivos disseram na reunião gravada que o Google pretendia
lançar a tecnologia que impulsionou seu chatbot como um serviço de computação
em nuvem para empresas externas e que poderia incorporar a tecnologia em tarefas simples de suporte ao
cliente. Ela manterá seus padrões de confiança e segurança para produtos
oficiais, mas também lançará protótipos que não atendem a esses padrões.
O Google pode limitar esses protótipos a 500 mil
usuários e avisá-los de que a tecnologia pode produzir declarações falsas ou
ofensivas. Desde seu lançamento no último dia de novembro, o ChatGPT –que pode
produzir material tóxico semelhante– foi usado por mais de 1 milhão de pessoas.
"Uma demonstração bacana de um sistema de
conversação com o qual as pessoas podem interagir com facilidade e parece
alucinante? Esse é um bom passo, mas não é o que realmente transformará a
sociedade", disse Zoubin Ghahramani, que supervisiona o laboratório de
inteligência artificial Google Brain, em entrevista ao Times no mês passado,
antes do lançamento do ChatGPT. "Não é algo que as pessoas possam usar de
forma confiável no dia a dia."
O Google já está trabalhando para aprimorar seu
mecanismo de pesquisa usando a mesma tecnologia que sustenta chatbots como
LaMDA e ChatGPT. A tecnologia –um "grande modelo de linguagem"– não é
apenas uma maneira de as máquinas manterem uma conversa.
Hoje, essa tecnologia ajuda o mecanismo de pesquisa
do Google a destacar resultados que visam responder diretamente a uma pergunta
que você fez. No passado, se você digitasse "Os esteticistas ficam muito
em pé no trabalho?" no Google, ele não entenderia a pergunta. Hoje, o
Google responde corretamente com uma breve sinopse descrevendo as demandas
físicas da vida na indústria de cuidados com a pele.
Muitos especialistas acreditam que o Google
continuará a adotar essa abordagem, melhorando gradualmente seu mecanismo de
busca, em vez de reformulá-lo. "A pesquisa do Google é bastante
conservadora", disse Margaret Mitchell, que foi pesquisadora de IA na
Microsoft e no Google, onde ajudou a iniciar sua equipe de IA Ética, e agora
está no laboratório de pesquisa Hugging Face. "Ele tenta não atrapalhar um
sistema que funciona."
Outras empresas, incluindo a Vectara e um mecanismo
de busca chamado Neeva, estão trabalhando para aprimorar a tecnologia de busca
de maneiras semelhantes. Mas, à medida que a OpenAI e outras empresas melhoram
seus chatbots –trabalhando para resolver problemas de toxicidade e viés–, este
pode se tornar um substituto viável para os mecanismos de busca atuais. Quem
chegar primeiro pode ser o vencedor.
"No ano passado, fiquei desanimado por ser tão
difícil desalojar o punho de ferro do Google", disse Sridhar Ramaswamy,
que já supervisionou a publicidade do Google, incluindo anúncios de buscas, e
agora dirige a Neeva. "Mas momentos tecnológicos como este criam uma
oportunidade para mais competição." (Tradução de Luiz
Roberto M. Gonçalves)
Com quantos paus se faz uma jangada? https://bit.ly/3Ye45TD
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