29 janeiro 2023

Duelo de titãs

ChatGPT acende alerta vermelho para a busca do Google

Nova onda de chatbots pode reinventar ou até mesmo substituir o mecanismo de pesquisa
Nico Grant e Cade Metz/The New York Times-Folha de S. Paulo

 

Nas últimas três décadas, um punhado de produtos como o navegador da web Netscape, o mecanismo de buscas Google e o iPhone da Apple realmente viraram a indústria de tecnologia de cabeça para baixo e fizeram os que vieram antes deles parecerem dinossauros pesados.

No mês passado, um chatbot experimental chamado ChatGPT foi apresentado como o próximo grande disruptor do setor. Ele pode fornecer informações em frases simples e claras, em vez de apenas uma lista de links da internet. Ele pode explicar conceitos de maneiras que as pessoas conseguem entender facilmente. Pode até gerar ideias a partir do zero, incluindo estratégias de negócios, sugestões de presentes de Natal, temas de blogs e planos de férias.

Embora o ChatGPT ainda tenha muito espaço para melhorias, seu lançamento levou a administração do Google a declarar um "código vermelho" de emergência. Para o Google, foi como acionar o alarme de incêndio. Alguns temem que a empresa esteja chegando a um momento que as maiores empresas do Vale do Silício temem –a chegada de uma enorme mudança tecnológica que pode virar o setor de cabeça para baixo.

Há mais de 20 anos, a máquina de pesquisas do Google serve como o principal portal mundial para a internet. Mas, com um novo tipo de tecnologia de chatbot pronto para reinventar ou mesmo substituir os mecanismos de busca tradicionais, o Google poderá enfrentar a primeira ameaça séria ao seu negócio principal de pesquisas. Um executivo do Google descreveu os esforços como decisivos para o futuro da companhia.

ChatGPT foi lançado por um laboratório de pesquisa agressivo chamado OpenAI, e o Google está entre as muitas outras empresas, laboratórios e pesquisadores que ajudaram a construir essa tecnologia. Mas os especialistas acreditam que a gigante da tecnologia poderá ter dificuldades para competir com empresas menores e mais novas que desenvolvem chatbots, devido às muitas maneiras como a tecnologia pode prejudicar seus negócios.

O Google passou vários anos trabalhando em chatbots e, assim como outras grandes empresas de tecnologia, usou agressivamente a tecnologia de inteligência artificial. O Google já construiu um chatbot que pode rivalizar com o ChatGPT. Na verdade, a tecnologia central do chatbot da OpenAI foi desenvolvida por pesquisadores do Google.

Chamado de LaMDA, ou Language Model for Dialogue Applications (Modelo de Linguagem para Aplicativos de Diálogo), o chatbot do Google recebeu enorme atenção no verão, quando um engenheiro da empresa, Blake Lemoine, afirmou que era senciente. Isso não é verdade, mas a tecnologia mostrou o quanto a tecnologia de chatbot melhorou nos últimos meses.

O Google pode estar hesitante em lançar essa nova tecnologia como substituta para as buscas online, no entanto, porque não é adequada para veicular publicidade digital, que respondeu por mais de 80% da receita da empresa no ano passado.

"Nenhuma empresa é invencível; todas são vulneráveis", disse Margaret O'Mara, professora da Universidade de Washington especializada na história do Vale do Silício. "Para empresas que se tornaram extraordinariamente bem-sucedidas fazendo uma coisa que definiu o mercado, é difícil ter um segundo ato com algo totalmente diferente."

Como esses novos chatbots aprendem suas habilidades analisando grandes quantidades de dados postados na internet, eles têm a capacidade de misturar ficção com fato. Fornecem informações que podem ser tendenciosas contra mulheres e pessoas não brancas. E podem gerar linguagem tóxica, incluindo discurso de ódio.

Tudo isso pode virar as pessoas contra o Google e prejudicar a marca corporativa que passou décadas construindo. Como a OpenAI mostrou, empresas mais novas podem estar mais dispostas a se arriscar a reclamações, em troca de crescimento.

Mesmo que o Google aperfeiçoe os chatbots, ele deve abordar outra questão: essa tecnologia canibaliza os lucrativos anúncios das buscas da empresa? Se um chatbot está respondendo a perguntas com frases curtas, há menos motivos para as pessoas clicarem em links de publicidade.

"O Google tem um problema de modelo de negócios", disse Amr Awadallah, que trabalhou para Yahoo e Google e agora dirige a Vectara, startup que está desenvolvendo tecnologia semelhante. "Se o Google lhe der a resposta perfeita para cada consulta, você não clicará em nenhum anúncio."

Sundar Pichai, CEO do Google, participou de uma série de reuniões para definir a estratégia de IA do Google e derrubou o trabalho de vários grupos dentro da empresa para responder à ameaça que o ChatGPT representa, de acordo com um memorando e gravação de áudio obtidos por The New York Times. Os funcionários também foram encarregados de inventar produtos de IA capazes de criar obras de arte e outras imagens, como a tecnologia DALL-E da OpenAI, usada por mais de 3 milhões de pessoas.

De agora até uma grande conferência que deverá ser realizada pelo Google em maio, as equipes de pesquisa, confiança e segurança e outros departamentos do Google foram realocados para ajudar a desenvolver e lançar novos protótipos e produtos de IA.

À medida que a tecnologia avança, acreditam os especialistas do setor, o Google deve decidir se reformulará seu mecanismo de busca e transformará um chatbot completo em seu serviço principal.

O Google reluta em compartilhar amplamente sua tecnologia porque, assim como o ChatGPT e sistemas semelhantes, ela pode gerar informações falsas, tóxicas e tendenciosas. A LaMDA está disponível apenas para um número limitado de pessoas por meio de um aplicativo experimental, o AI Test Kitchen.

O Google vê isso como uma luta para implantar sua IA avançada sem prejudicar os usuários ou a sociedade, de acordo com um memorando visto pelo Times. Em uma reunião recente, um diretor admitiu que as empresas menores têm menos preocupações com o lançamento dessas ferramentas, mas disse que o Google deve entrar na briga ou a indústria poderá seguir em frente sem ele, de acordo com uma gravação de áudio da reunião obtida pelo Times.

Outras empresas têm um problema semelhante. Cinco anos atrás, a Microsoft lançou um chatbot chamado Tay que vomitava linguagem racista, xenófoba e obscena, e ela foi forçada a removê-lo imediatamente da internet –para nunca mais voltar. Nas últimas semanas, a Meta derrubou um novo chatbot pelos mesmos motivos.

Executivos disseram na reunião gravada que o Google pretendia lançar a tecnologia que impulsionou seu chatbot como um serviço de computação em nuvem para empresas externas e que poderia incorporar a tecnologia em tarefas simples de suporte ao cliente. Ela manterá seus padrões de confiança e segurança para produtos oficiais, mas também lançará protótipos que não atendem a esses padrões.

O Google pode limitar esses protótipos a 500 mil usuários e avisá-los de que a tecnologia pode produzir declarações falsas ou ofensivas. Desde seu lançamento no último dia de novembro, o ChatGPT –que pode produzir material tóxico semelhante– foi usado por mais de 1 milhão de pessoas.

"Uma demonstração bacana de um sistema de conversação com o qual as pessoas podem interagir com facilidade e parece alucinante? Esse é um bom passo, mas não é o que realmente transformará a sociedade", disse Zoubin Ghahramani, que supervisiona o laboratório de inteligência artificial Google Brain, em entrevista ao Times no mês passado, antes do lançamento do ChatGPT. "Não é algo que as pessoas possam usar de forma confiável no dia a dia."

O Google já está trabalhando para aprimorar seu mecanismo de pesquisa usando a mesma tecnologia que sustenta chatbots como LaMDA e ChatGPT. A tecnologia –um "grande modelo de linguagem"– não é apenas uma maneira de as máquinas manterem uma conversa.

Hoje, essa tecnologia ajuda o mecanismo de pesquisa do Google a destacar resultados que visam responder diretamente a uma pergunta que você fez. No passado, se você digitasse "Os esteticistas ficam muito em pé no trabalho?" no Google, ele não entenderia a pergunta. Hoje, o Google responde corretamente com uma breve sinopse descrevendo as demandas físicas da vida na indústria de cuidados com a pele.

Muitos especialistas acreditam que o Google continuará a adotar essa abordagem, melhorando gradualmente seu mecanismo de busca, em vez de reformulá-lo. "A pesquisa do Google é bastante conservadora", disse Margaret Mitchell, que foi pesquisadora de IA na Microsoft e no Google, onde ajudou a iniciar sua equipe de IA Ética, e agora está no laboratório de pesquisa Hugging Face. "Ele tenta não atrapalhar um sistema que funciona."

Outras empresas, incluindo a Vectara e um mecanismo de busca chamado Neeva, estão trabalhando para aprimorar a tecnologia de busca de maneiras semelhantes. Mas, à medida que a OpenAI e outras empresas melhoram seus chatbots –trabalhando para resolver problemas de toxicidade e viés–, este pode se tornar um substituto viável para os mecanismos de busca atuais. Quem chegar primeiro pode ser o vencedor.

"No ano passado, fiquei desanimado por ser tão difícil desalojar o punho de ferro do Google", disse Sridhar Ramaswamy, que já supervisionou a publicidade do Google, incluindo anúncios de buscas, e agora dirige a Neeva. "Mas momentos tecnológicos como este criam uma oportunidade para mais competição." (Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves)

Com quantos paus se faz uma jangada? https://bit.ly/3Ye45TD

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