FREVO RURAL – RITMO
QUE VEM DOS CANAVIAIS
Resultado
de uma pesquisa iniciada há 10 anos, nasce um novo gênero do frevo na Mata
Norte de Pernambuco, juntando-se aos de bloco, rua e canção
ERIKA MUNIZ*/Revista Continente
Quem já experimentou alguma vez na vida sabe que
“muitas coisas novas acontecem quando a gente está na folia”. Assim bem diz o
dançarino e professor Adri Popular, responsável pela direção artística e
figurino do espetáculo que integra a vivência do Frevo rural – Ritmo que vem dos canaviais. O projeto está se materializando em dois
formatos: EP, com lançamento neste fevereiro, e apresentação de rua.
“Quando a gente tenta dançar o frevo rural, acho que é a folia do brincante
dançando frevo”, define Adri em sua entrevista à Continente,
sintetizando sobre esse corpo que dança o gênero, mas também sobre a sonoridade
que se evidencia nesse diálogo (e fricção) entre as brincadeiras populares da
Mata Norte de Pernambuco – como o bloco rural (conhecido também como
“caravanas”), o maracatu de baque solto e a ciranda – e o frevo que salta,
corre e ginga a partir das ruas e ladeiras da Região Metropolitana do
Recife.
Neste estado da região Nordeste do Brasil, cujas ideias em torno da
cultura, em diferentes linguagens, se encaixa entre a “força da tradição” e a
antena conectada para o futuro, a produção cultural pulsa forte nas diferentes
regiões. Cada uma, inclusive, sedia diferentes expressões artísticas, que
nascem a partir de contextos sociais, políticos e econômicos distintos,
circunscrevendo e costurando seu espaço nessa grande rede que compõe o que se
entende por cultura pernambucana. No frevo rural, criado na Mata Norte, também
é assim.
O frevo rural é, na verdade, resultado de “pesquisa, experimentações e
documentação da região da Mata Norte”, para utilizar as palavras de Ederlan
Fábio, que assina a direção musical e é produtor da Orquestra de Frevo Zezé
Corrêa, responsável pela iniciativa. Essa pesquisa tem mais de uma década. Um
percurso que tem mais história, até: a Escola e Orquestra de Frevo Zezé Corrêa
é ligada à Sociedade Musical 15 de Novembro, que atua há mais de 135 anos, no
Distrito de Upatininga, zona rural de Aliança (PE). Enquanto a fundação da
Sociedade Musical 15 de Novembro é de 1888, a Orquestra de Frevo Zezé Corrêa
foi criada em 2013 e a Escola de Frevo, em 2015. A escolha do nome Zezé Corrêa
vem como uma homenagem ao maestro que dedicou parte de sua vida à banda.
Para além do produto cultural que é lançado no dia 4 de fevereiro
nas plataformas de streaming, no
formato EP, o que se mostra é outra forma de se expressar, que estará nas playlists dos
amantes do frevo e nos palcos com apresentações cheias de cor, movimentos e
poesia. “A proposta foi montar um novo produto dentro da banda que pudesse
sustentá-la durante os 12 meses do ano”, explica Ederlan.
Com letras e músicas autorais, o EP Frevo rural traz, inicialmente, duas
composições assinadas pelo artista João Paulo Rosa, de Nazaré da Mata (PE).
“Quando o frevo entra para os interiores, ele vai recebendo o sotaque de outras
regiões”, diz João Paulo à Continente. A
primeira canção inédita é Plantis da vida, que traz, a partir de uma
perspectiva crítica, a realidade da economia da monocultura canavieira. O tema
da propriedade privada também se evidencia na letra.
Na segunda faixa, intitulada Belo Carnaval, a inspiração é a vida de um
marinheiro que, após um período de navegação, aporta direto na folia. Pela
sensibilidade da composição, a atmosfera da festa mais esperada do ano é
trazida. É de se imaginar que uma escuta já na introdução das duas músicas, a
saudade guardada pelos dois anos de ausência, por conta da pandemia de
Covid-19, se aflore e o coração logo se aqueça nos primeiros segundos.
Para falar dos arranjos que tecem o frevo rural, também estão
presentes os metais e a percussão que integram o grupo de instrumentos nas
demais modalidades do frevo, já bastante conhecidas do público folião, entre
eles, trompetes, trombones, sax, bateria, baixo, apito, guitarras, que aparecem
com uma pegada próxima do blues e do jazz, e caixa. A identidade sonora, no entanto, fica por conta do
bombinho, que, quando se soma ao bacalhau, resulta em uma musicalidade próxima
à das brincadeiras populares da Mata Norte. E, para completar essa miscelânea e
dar mais sabor ao “molho”, o mineiro é o instrumento que conduz a
cadência.
Essa mistura aparece ainda no corpo do brincante que vai para o
frevo rural. Na dança, os passistas também dialogam com a memória dos
movimentos de brincadeiras populares da região. Isso se evidencia para o
público atento aos passos e às coreografias que remetem às criações e à
evolução do maracatu rural, dos caboclinhos e de outros ritmos. Mas também
aparece nos figurinos assinados por Adri Popular. Tanto a roupa dos músicos
quanto a dos bailarinos conjugam elementos que compõem a vivência da região que
os integrantes da Orquestra e Escola de Frevo Zezé Corrêa têm como sua.
“Costumo dizer que o caboclo de lança parece que brinca com o
vento quando ele faz o movimento. (…) Quando direciono os passistas, costumo
dizer: ‘Não precisa se preocupar em sorrir muito ou pensar em uma (única) frente.
Quero que as pessoas vejam o brincante de vocês. Você pode girar, você pode
subir, você pode descer, você pode pular, pensa que o grande destaque são as
fitas que está em você. Você está trazendo muitas ancestralidades para a sua
dança’. É muito bacana ver que até o vento dança com a gente”, explica o
diretor artístico Adri Popular.
* ERIKA
MUNIZ, jornalista com formação também em Letras.
A vida
deve ser vivida reinventada https://bit.ly/3Ye45TD
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