Em defesa da vida e da cultura dos povos
originários
Enio Lins www.eniolins.com.br
UM TEMA EM PAUTA HÁ 500 ANOS
Numa espécie de saraivada de flechas, choveram opiniões sobre o
tema “povos originários” graças à aprovação, na Câmara Federal, do afamado
Marco Temporal. Para não perder a oportunidade, aqui vão mais algumas. Depois
mais virão, sem aperreio.
Não é nada simples a questão dos Povos Originários. Abraço logo essa expressão,
apesar de ter profunda rejeição contra o vocabulário da moda, onde pululam
quase-unanimidades vernaculares como “narrativa”, “lugar de fala”, “enredo”,
“empoderamento” ...
Vamos a alguns pontos sobre os povos originários, chamados de “indígenas” – ou
aborígenes, autóctones, nativos, selvícolas – pelos europeus nada bonzinhos
que, no final do século XV, imaginaram estar na Índia.
TÚNEL DO TEMPO
Maior das dificuldades, obviamente, está no contato e interação entre grupos
residuais e minoritários que vivem na idade da pedra lascada com populações
majoritárias que vivem na idade ultramoderna. Algo como 42 mil anos separam
essas duas turmas.
Não tem como resolver fácil, talvez nem tenha como resolver. Mas é necessário
impedir um genocídio – ou melhor: é hora de se interromper o genocídio iniciado
há seis séculos, enquanto algumas das novas vítimas ainda vivem.
Desde que Colombo pisou na terra firme do Novo Mundo, a velha arte da guerra de
extermínio foi usada como principal método de ocupação dos povos europeus que
se expandiam de sua gleba natal em todas as direções do globo.
Exterminar foi a regra, norma europeia em sua conquista das novas terras. À
exceção dos africanos de pele escura, esses escravizados até a morte. Mas toda
população originária, nas rotas das descobertas, foi alvo de genocídio puro e
simples.
Genocídio foi a “política pública” aplicada às gentes nativas dos mundos novos.
Povos mais vulneráveis, com estilo de vida mais próximo aos tempos
paleolíticos, foram varridos sem compaixão desde que as naus Santa Maria, Piñta
e Nina acharam o Caribe.
Para a cultura eurocêntrica a gente autóctone era (ainda é para boa parte desse
pensar) obstáculo à civilização, travas ao desenvolvimento, feras, desprovidas
de cultura, coisa desprezível. Exceções? Sim, nas militâncias humanitárias.
EXEMPLOS NOTÁVEIS
Essas militâncias humanitárias com origem nas culturas do Velho Mundo merecem
ser lembradas e valorizadas, desde o ativismo religioso dos primeiros tempos de
colonização até às múltiplas ONGs dos dias em curso. Foram e são minorias
heroicas.
Restringindo essa abordagem ao atual Brasil, é imprescindível lembrar que se
não fossem europeus como José de Anchieta, não teriam sobrado nem os vestígios
de algumas das línguas faladas aqui naquele momento de chegada branca.
As ruínas do tipo “Sete povos das missões” guardam o êxito e o massacre das
tendências de coexistência pacífica e intercâmbio entre nativos e invasores.
Uma minoria tentou evitar o genocídio no passado, outra minoria tenta impedir o
genocídio no presente.
Nesse intervalo de meio milênio foram geradas populações mestiças (e
marginalizadas como caboclas, cafuzas...) e preservadas ínfimas ilhas tribais,
sobreviventes sob a pressão da civilização avassaladora do “homem branco”.
E, o mais impressionante: grupos nativos conseguiram viver totalmente ou
parcialmente sem contato com a sociedade branca ao longo de 523 anos. As
florestas salvaguardaram as vidas e culturas dessas populações remanescentes.
Tem-se arguido que esses povos isolados e semi-isolados não podem ser vistos
como seres num “zoológico humano”, condenados à idade da pedra pelo resto dos
tempos. É um argumento que não pode ser desconsiderado, nem tampouco engolido.
ASSUMINDO RESPONSABILIDADES
Há quem dispare a tese “democrática” da “consulta aos próprios interessados”.
Tá bom. Mas que tipo de consulta e a quais “interessados”? Por exemplo: É para
fazer uma enquete, ou votação, entre indígenas atraídos e dominados pelo
garimpo?
Ô minha gente... lógico que isso é impensável nesse formato. As populações
nativas alcoolizadas, drogadas e prostituídas por madeireiros, garimpeiros e
outros modais são vítimas do escravismo contemporâneo, prisioneiras de currais
sob controle branco.
Quem tem a obrigação primeira de se posicionar sobre isso é o Brasil
democrático, até por ser o único responsável por esse estado de coisas. Os
Poderes Constituídos estão chamados à essa missão. Executivo, Legislativo e
Judiciário – cada qual – tem seu papel.
Não é apenas o Legislativo que deve se posicionar sobre a questão dos Povos
Originários. Executivo e Judiciário têm a missão constitucional de impedirem
massacres, têm a obrigação de defender a vida humana e a Natureza. A
Constituição Nacional e o conceito dos Direitos Humanos são soberanos e
superiores.
Em atentando contra a vida, o novo Marco Temporal deverá ser contestado
juridicamente (a Constituição permite). E até ser promulgado existem várias
etapas: Senado, veto ou sanção presidencial, retorno ao Congresso... A luta
continua, sem medo e sem ódio.
Uma única coisa não vai acontecer novamente: a aceitação passiva de qualquer
norma que mantenha viva a política da morte contra (o que restou) das
populações originárias.
Na foto, uma
cena do século XX: Bugreiros (caçadores e matadores de índios) posam com o
que restou – poucas crianças – de uma aldeia Xokleng (povo também conhecidos
como Botocudo e/ou Caingangue), por volta de 1914, em Santa Catarina, em foto
do acervo de Sílvio Coelho dos Santos, disponível no site https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Xokleng
PCdoB se posiciona sobre questões polêmicas na sociedade e no interior da próprio governo https://tinyurl.com/4kfnsbu8
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