02 junho 2023

Mais médicos: recorde de inscritos

Primeiros índices de êxito da nova versão do Mais Médicos

Mais de 34 mil profissionais concorrem às vagas do primeiro edital do programa, que foi reestruturado. Em um mês, começarão a atuar e podem começar a cobrir o vazio assistencial deixado pelo desmonte da gestão anterior
Gabriela Leite/OutraSaúde

 

O ministério da Saúde divulgou, ontem, informações sobre o primeiro edital do novo Mais Médicos, programa que direciona profissionais a regiões com vazios assistenciais. Foram 34.070 profissionais cadastrados, para um total de 5.970 vagas distribuídas em 1.994 municípios de todas as regiões do Brasil – 45% dos postos estão em regiões de vulnerabilidade social, como a Amazônia Legal.

Lançado pela primeira vez em 2013, durante o governo de Dilma Rousseff, o Mais Médicos preencheu um vazio de extrema importância: foi responsável, em seu auge, por assegurar atenção básica a 63 milhões de brasileiros, com 18.240 profissionais atuantes em 4.058 municípios. Em 1.039 municípios, o programa era responsável por 100% da atenção primária. Mas o fato de que cerca de metade deles vinha de um programa de cooperação com a Organização Pan-americana de Saúde e o governo de Cuba foi alvo de ataques fervorosos dos conselhos de medicina e da direita em geral, desde os primeiros meses de sua estreia.

Reestruturado no novo governo Lula, o programa busca, agora, oferecer mais benefícios aos profissionais registrados no Brasil. A medida parece ter surtido efeito: nesse primeiro edital, eles foram 58% dos inscritos – ou 19.652 médicos. O número total de brasileiros, com ou sem CRM, é de 30.175, outros 3.895 são estrangeiros. O sucesso de adesão traz bons augúrios para as próximas etapas do Mais Médicos: o governo anunciou que a segunda fase do programa, a ser lançada ainda em 2023 em parceria com municípios, busca contratar mais 10 mil profissionais.

Entre as mudanças na nova versão, que atraíram mais médicos brasileiros, está a garantia de especialização profissional após o período de quatro anos em serviço: “Os médicos podem realizar a prova de título da sociedade e ter três títulos, caso sejam aprovados nas avaliações previstas: especialista Lato Sensu, mestrado profissional e a possibilidade da realização da prova de título de Médico de Família e Comunidade”, explica o secretário de Atenção Primária à Saúde, Nésio Fernandes. Há também incentivos financeiros em caso de permanência e licença maternidade e paternidade – algo que não estava previsto no programa lançado em 2013.

Os candidatos brasileiros formados no país terão prioridade na seleção e serão observados também critérios como titulação, formação e experiência prévia. Maior idade e mais tempo de formação são critérios de desempate. O ministério da Saúde espera que os médicos comecem a atuar já no final do mês de junho e a divulgação da confirmação das vagas e dos locais escolhidos pelos candidatos está prevista para 16/6.

“Precisamos formar 100 mil médicos de família e comunidade no prazo de dez anos para atender a demanda, tanto do setor público como no setor privado, de consolidar uma atenção primária em saúde resolutiva”, planeja Fernandes. “Já temos 52 mil equipes de saúde na família no Brasil e temos somente 10,5 mil médicos titulados nessa especialidade em exercício”, argumenta.

A Adaps e desmonte bolsonarista do Mais Médicos

O ex-presidente Jair Bolsonaro aproveitava-se da visão negativa do programa por parte de entidades médicas para se projetar entre a extrema-direita desde antes de ser eleito. Chegou a dizer que a ideia do Mais Médicos era “formar núcleos de guerrilha no Brasil” e questionava a capacidade dos médicos cubanos de atender brasileiros. Em seu mandato, desmantelou o quanto pode o programa. Reportagem da Piauí de janeiro de 2022 mostrou as consequências drásticas desse ataque ideológico: centenas de municípios pobres ficaram sem médicos em seus postos de saúde e o número de mortes evitáveis de crianças até 5 anos aumentou 40% em 2019.

Na edição deste mês da revista Piauí, o repórter Breno Pires relata mais um lado do desmoronamento do Mais Médicos na gestão bolsonarista: a infiltração no ministério da Saúde de aliados sem qualificação para comandar a Atenção Primária. Foi o que aconteceu na Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde (Adaps), criada em março de 2020 pelo então ministro Luiz Henrique Mandetta. Ela foi idealizada para pôr em prática o recém-criado Médicos pelo Brasil, versão bolsonarista do Mais Médicos orientada para o setor privado e que contratava apenas profissionais com CRM.

Segundo mostrou a reportagem, a Adaps só passou a funcionar de fato em setembro de 2021, após um longo período sob gestão do coronel Elcio Franco – aquele que ignorou os e-mails de venda de vacina da Pfizer e, mais recentemente, foi flagrado em áudio em que sugeria a mobilização de 1,5 mil soldados para dar um golpe de Estado. Quando entrou em operação de fato, a Agência virou ninho de aliados do governo Bolsonaro, com seleção de funcionários bastante duvidosa. Ex-funcionários ouvidos pela Piauí contam que sofriam represália por apresentar dados negativos à Adaps, entre outras falcatruas. “A Adaps é um entulho autoritário, fruto do golpe de 2016, que precisa fechar”, afirmou o sanitarista Heleno Corrêa Filho em entrevista ao Outra Saúde.

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