A inteligência artificial na produção artística
O debate sobre o papel da IA na criação artística requer reflexão sobre ética, direitos autorais e equilíbrio entre inovação tecnológica e valorização do trabalho criativo humano
Carlos Seabra/Vermelho
Com as “habilidades” de geração de imagens por inteligência artificial cada vez mais desenvolvidas, têm surgido alguns questionamentos e preocupações especialmente por parte de profissionais da ilustração e do mercado editorial.
Esta discussão é fundamental não só para ilustradores, mas também para todos os demais profissionais de editoração, jornalismo e para a arte e cultura em geral, inclusive com suas implicações na educação, na ciência, na economia.
Uma polêmica se refere a que as empresas dessas plataformas de inteligência artificial para gerar ilustrações estariam violando os direitos autorais dos artistas originais, pois usam suas obras sem consentimento nem remuneração para treinar os algoritmos. Mas a mera semelhança de vários detalhes ou estilos ser considerada plágio não pode ser feita de modo fácil, sem levar em conta vários elementos essenciais. Quais os ilustradores que ao fazer uma HQ, por exemplo, não pegam coisas do Crumb, do Hergé, do Disney, quantas referências não foram “plagiadas” de Picasso, Kandinsky, Van Gogh?
Outro aspecto discutido é que as ilustrações geradas por inteligência artificial podem prejudicar o mercado de trabalho e a valorização dos artistas profissionais, pois podem ser vendidas por preços mais baixos ou até mesmo disponibilizadas gratuitamente.
Se professores começarem a ilustrar coisas para suas apresentações em sala de aula usando IA é uma possibilidade interessante, pois eles jamais contratariam ilustradores. Igualmente quanto aos alunos em seus trabalhos escolares, aumentando em muito as possibilidades das novas “decalcomanias”. Também blogueiros, ativistas e outros que escrevem nas redes, em geral sem verbas para remunerar ilustradores profissionais.
O que precisamos é discutir e propor medidas sérias e efetivas que protejam a economia criativa, na qual se inserem os ilustradores e da qual vivem. Um livro ilustrado artificialmente perde muito de seu charme e obviamente bastante de seu valor de mercado, inclusive. Dificilmente ilustrações produzidas automaticamente irão substituir as concepções artísticas em obras do mercado editorial, do mesmo modo que a geração de textos automáticos, cada dia mais sofisticada, não substituirá poetas, contistas e romancistas.
Poderá ser importante, por exemplo, legislar que ilustrações em livros e revistas, em audiovisuais, em canais monetizados, devam ter uma sinalização que permita identificar sua artificialidade. Que concursos literários e mostras patrocinadas com verbas públicas tenham clareza das normas de utilização desse tipo de “prótese criativa”, com transparência ética.
Será dificílimo julgar boa parte das situações. Afinal, qual o ilustrador hoje que não usa inúmeros softwares, filtros, recursos tecnológicos de edição? Os softwares mais usados pela maioria dos profissionais já estão a vir com recursos de IA embutidos.
A alegação de que o automatismo dessa tecnologia não é arte pode ser bastante questionável. Vejamos o caso da fotografia e do próprio cinema, que já foram questionados em seu surgimento como sendo apenas meios de reprodução mecânica da realidade, sem a intervenção criativa do artista, e que por isso não podiam ser comparados às artes tradicionais, como a pintura, a escultura e a literatura.
A este propósito, o editor Flávio Nigro satiriza: “Os fotógrafos, que se autodenominam ‘artistas’ apenas definiram um tema, carregaram a máquina com o filme, se dirigiram até um determinado local, ajustaram abertura, velocidade, foco e enquadramento, e depois simplesmente apertaram o botão da máquina fotográfica num momento preciso. Repetiram o processo centenas de vezes e selecionaram uma das imagens que a máquina produziu em um processo mecânico-óptico e químico.”
Assim como ter uma câmera fotográfica de última geração não faz alguém ser automaticamente um fotógrafo, o acesso aos modelos de IA generativa não concede criatividade de forma instantânea.
É importante destacar que a palavra “arte” tem sua origem no grego techné, que também denominamos como técnica. Qualquer realização humana envolve necessariamente a utilização de algum dispositivo artificial como colaborador. A criatividade humana, portanto, é um processo misto, resultante da sinergia entre a capacidade simbólica humana e o emprego de artefatos que concretizam ideias e atitudes. O humano sem artefatos inexiste!
O que recomendamos a todas as pessoas envolvidas com a produção profissional de ilustrações, animações etc. é que estudem, usem, vejam como funcionam todas as principais ferramentas, para estudar bem como elas funcionam, senão esses profissionais estarão em grande desvantagem em relação aos que dominam o “mercado”, aos que definem os rumos da economia e se beneficiam da valorização das criações culturais.
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